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    Manuel da Costa Pinto

    Livro sobre história das utopias relativiza irrealismo dos projetos igualitários

    14/04/2013 02h00

    Segundo um clichê jornalístico, vivemos em um mundo pós-utópico desde a queda do muro de Berlim. Um quarto de século depois, porém, não passa uma semana sem que as utopias políticas e seus apóstolos --Rousseau e Marx na linha de frente-- sejam espancados nos jornais.

    Quando se insiste em chutar cachorro morto, significa que ele ainda respira. Por isso, vale ler "Utopia - A História de uma Ideia", de Gregory Claeys, historiador inglês do pensamento político. Com capa dura, belas ilustrações e quadros explicativos à maneira das revistas de divulgação científica, o livro parece um verbete expandido de enciclopédia, ao qual não faltam propostas inovadoras.

    Normalmente associamos a utopia ao ideal de uma sociedade perfeita, irrealista. Claeys responde que a perfeição é "um conceito teológico que, embora historicamente ligado ao utopismo, define um estado que é impossível para os mortais".

    Em contrapartida, nas formulações de cenários de bem-aventurança --a começar pelo clássico "Utopia" (1516), de Thomas More-- entram em jogo regras para mitigar impulsos individualistas, indicando como os utopistas não tinham ilusões sobre a corrompida natureza humana.

    E, se o liberalismo, com sua moral pragmática, parece ser o avesso da utopia, Claeys identifica nele a "visão utópica da opulência universal" --que começa a se manifestar no imaginário milenarista dos colonizadores do Novo Mundo.

    Utopias rigidamente hierarquizadas, como "A República" de Platão, apontam para o autoritário igualitarismo dos jacobinos da Revolução Francesa e para o "ponto decisivo na transformação da utopia em distopia": alegorias do totalitarismo ("1984", de Orwell) ou da manipulação comportamental capitalista ("Admirável Mundo Novo", de Huxley).

    Claeys conecta, ironicamente, os hippies às seitas comunitárias protestantes e, sem ironia, inclui Brasília no rol das cidades ideais (a "Cidade do Sol" de Campanella, as comunas dos socialistas utópicos) --fato que não compromete sua visão nuançada de que a "igualdade é o dogma social central (...) dos propósitos utópicos", alimentando desejos de mudança e de autonomia do homem sobre seu destino.

    LIVRO
    UTOPIA - A HISTÓRIA DE UMA IDEIA *
    AUTOR: Gregory Claeys
    TRADUÇÃO: Pedro Barros
    EDITORA: Sesc SP (224 págs., R$ 80)

    LIVROS
    COCANHA - VÁRIAS FACES DE UMA UTOPIA **
    O medievalista brasileiro reúne e apresenta diferentes versões da lenda de Cocanha, utopia medieval sobre uma terra de abundância, prazer e ócio.
    AUTOR: Hilário Franco Júnior
    EDITORA: Ateliê (2007, 184 págs., R$ 29,60)

    VISÃO DO PARAÍSO - OS MOTIVOS EDÊNICOS NO DESCOBRIMENTO E COLONIZAÇÃO DO BRASIL *
    O historiador de "Raízes do Brasil" investiga o impacto da crença em um Éden terreno --um "horto de delícias"-- sobre o imaginário dos Descobrimentos.
    AUTOR: Sérgio Buarque de Holanda
    EDITORA: Companhia das Letras (2010, 600 págs., R$ 52)

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    DISCO
    RACHMANINOV - RAPSÓDIA SOBRE UM TEMA DE PAGANINI - CONCERTO Nº 3 PARA PIANO *
    Osesp (Biscoito Fino, R$ 35,90)
    Só um texto precioso como o da musicó-loga Regina Porto, no encarte do disco, para resgatar a luminosidade da "Rapsódia...", obra mais popular (e por isso mais desgastada) de Rachmaninov. E só um pianista como Arnaldo Cohen para desbastar as monumentais complexidades de seu "Concerto nº 3", regido por John Neschling.

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    LIVRO
    DIÁRIO DE UM RETORNO AO PAÍS NATAL **
    Aimé Césaire; tradução de Lilian Pestre de Almeida (Edusp, 164 págs., R$ 38)
    Os 180 aforismos poéticos do escritor Aimé Césaire (1913-2008), da Martinica, formam um épico às avessas, um canto de regresso do colonizado à África ancestral, com imagens surrealistas e fluxo verbal marítimo. A edição bilíngue reconstitui as diferentes variantes de um poeta considerado "fundador da negritude".

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    FILME
    VAGAS ESTRELAS DA URSA **
    Luchino Visconti (Versátil, R$ 44,90)
    Com a beleza estelar de Claudia Cardinale no zênite, o filme de Visconti extrai seu título de um poema de Leopardi que evoca o retorno à casa paterna. Aqui, porém, a volta decadentista a uma Itália profunda se dá sob o signo da tragédia grega, mesclando traições político-familiares a incesto e suicídio.

    manuel da costa pinto

    É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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