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    Manuel da Costa Pinto

    'Bilbao' e 'Caninos' pertencem à fase mais radical de Bigas Luna

    20/04/2013 23h30

    A morte de Bigas Luna, no início deste mês, coincidiu com o recente lançamento, em DVD, de dois de seus filmes mais radicais: "Bilbao" (1978) e "Caninos" (1979). Ambos compõem, com "Angústia (1986), o "Tríptico Negro" --de estética grotesca, com um pé no surrealismo, outro no "underground".

    A origem catalã do diretor remete aos espanhóis Luis Buñuel e Pedro Almodóvar. Do primeiro, Luna herda a linguagem onírica, com perversões que espelham a temática da repressão sexual familiar. Com o segundo, compartilha o gosto por comportamentos desvairados, maníacos --embora, ao menos em sua fase inicial, não caia no tragicômico (que surgirá, nos anos 1990, na forma de sátiras aos costumes e ícones espanhóis de "Jamón Jamón" e "Ovos de Ouro").

    Nos filmes em questão, Luna se vale da linguagem da pornografia (com closes do corpo, de peças íntimas e de cadáveres erotizados) para criar uma atmosfera sinistra.

    Divulgação
    Cena do filme "Bilbao", do diretor espanhol Bigas Luna
    Cena do filme "Bilbao", do diretor espanhol Bigas Luna

    Em "Bilbao", o ator Ángel Jové é um "voyeur" que narra suas perseguições à prostituta e "stripper" Bilbao. Casado com uma mulher mais velha, cujo erotismo ameaçador comuta seu desejo em fantasias de assassinato, ele coleciona fotos de Bilbao, relaciona-se de maneira fetichista com sua imagem, até o momento em que a passagem ao ato deriva para o ritual de morte, numa cena de beleza aterradora --o corpo da vítima suspensa em cruz, fusão dessacralizante da puta e da mãe.

    Ainda mais abjeta é a trama de "Caninos", na qual um casal de irmãos (Consol Tura e Jové) leva uma vida ociosa, em companhia de um poodle branco, enquanto aguarda a morte (e a herança) de uma tia rica. Aqui, o tabu do incesto se desdobra na violação de outro interdito, a zoofilia.

    Repugnante, sem dúvida, mas quem consegue vencer a repulsa inicial diante das alegorias escatológicas de Bigas Luna descobre, sob essa morbidez doméstica, outras dinâmicas sociais, igualmente pervertidas.

    FILMES
    BILBAO *
    DIRETOR: Bigas Luna
    DISTRIBUIDORA: Lume (R$ 39,90)

    CANINOS *
    DIRETOR: Bigas Luna
    DISTRIBUIDORA: Lume (R$ 39,90)

    *

    LIVROS

    PERVERSOS, AMANTES E OUTROS TRÁGICOS **
    Eliane Robert Moraes (Iluminuras, 216 págs., R$ 42)

    Definindo-se "frequentadora contumaz" da obra de Sade, a autora reúne ensaios escritos no âmbito e na periferia de suas reflexões sobre o francês. Do conjunto --que inclui "perversos" (Laclos, Nabokov), "amantes" (Goethe, Stendhal) e "trágicos" (Kleist, Lampedusa)-- desenha-se a visão vigorosa da literatura como extravio da imaginação e da forma.

    MARIA ANTONIETA - RETRATO DE UMA MULHER COMUM **
    Stefan Zweig; tradução de Irene Aron (Zahar, 404 págs., R$ 59,90)

    O austríaco Zweig (que se suicidou no Brasil em 1942) revê a vida da rainha que, guilhotinada na Revolução Francesa, tornou-se símbolo da prepotência absolutista. Com sensibilidade romanesca para as etapas de seu amadurecimento, restitui a consciência trágica e a dignidade com que Maria Antonieta enfrentou os desastres da história.

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    DISCO

    STENHAMMAR: STRING QUARTETS 3-6 **
    Oslo String Quartet (CPO, R$ 93,70, importado)

    Ótima oportunidade para conhecer o compositor sueco Wilhelm Stenhammar (1871-1927). Se suas sinfonias trazem o peso nórdico de Sibelius e Carl Nielsen, em seus quartetos de cordas (especialmente o quarto e o quinto, aqui incluídos), o "cantabile" é atravessado por frases vertiginosas e "pizzicati", fazendo a ponte entre Brahms e Bartók.

    Bo Mathisen/Divulgação
    O grupo norueguês Oslo String Quartet
    O grupo norueguês Oslo String Quartet
    manuel da costa pinto

    É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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