• Colunistas

    Sunday, 05-May-2024 01:48:11 -03
    Manuel da Costa Pinto

    Livro de contos de Verissimo realça obra ficcional e ilumina lado crítico do cronista

    02/11/2013 02h30

    É obrigatório, a ponto de ser clichê, dizer que Luis Fernando Verissimo dá continuidade à linhagem de escritores que fez da crônica brasileira um gênero literário singular. Mas isso coloca em segundo plano outro lado de sua obra poliédrica: os textos essencialmente ficcionais, como os reunidos em "Os Últimos Quartetos de Beethoven e Outros Contos".

    Aqueles anteriormente publicados em jornais (como "Bolero" e "Contículo") buscam o cômico ou o paradoxal, com desfecho abrupto que parece obedecer à necessidade de acomodação ao espaço da página. Mas não é o suporte que impõe o tom e a forma a Verissimo. Foi o escritor gaúcho, ao contrário, que se impôs como um escritor
    eminentemente satírico.

    No inédito "O Pôster", por exemplo, o casal que discute se deixa ou não um cartaz de Che Guevara na parede, com medo da reação do chefe convidado para o jantar, faz parte das tantas historietas em que Verissimo flagra nossas pequenas traições cotidianas a convicções nem tão fortes assim.

    Mateus Bruxel - 03.nov.2011/Folhapress
    O escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo
    O escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo

    Esse efeito de rebaixamento de ilusões e vaidades vem da arte do cronista, mas o livro traz outros engenhos. A começar pelo conto do título, em que um grupo de amigos
    que venerava uma misteriosa e sedutora violoncelista a reencontra, anos depois, num sanatório onde ela executa imaginariamente os últimos quartetos de Beethoven
    -símile de desvario terminal e beleza crepuscular.

    Os maiores contos do volume são também os melhores. "Lo" é, desde a primeira frase, uma paródia do romance "Lolita": o narrador (um buliçoso mulato baiano) conta como foi adotado por uma nobre espanhola, tornando-se um devasso precoce e devolvendo à Europa, agora em vestes tropicais, a aristocrática perversão de Nabokov.

    Em "A Mancha" (que havia sido publicado na série "Vozes do Golpe", da Companhia das Letras), um ex-militante que enriqueceu com a especulação imobiliária, após a ditadura, compra o prédio em que fora torturado -numa fábula amarga sobre depredação da memória. É o contista Verissimo iluminando, por tabela, a faceta crítica do cronista.

    LIVRO

    Os Últimos Quartetos de Beethoven ****
    AUTOR: Luis Fernando Verissimo
    EDITORA: Objetiva (164 págs., R$ 29,90)

    *

    LIVROS

    Banquete com os Deuses ****
    Reflexões e memórias que mostram lado pouco conhecido da obra de Verissimo: o de crítico de cinema, música, arte e literatura.
    AUTOR: Luis Fernando Verissimo
    EDITORA: Objetiva (2003, 232 págs., R$ 39,90)

    A Mesa Voadora ****
    Um dos primeiros livros do escritor, reúne crônicas e narrativas em que tentações e extravagâncias culinárias dão o tom.
    AUTOR: Luis Fernando Verissimo
    EDITORA: Objetiva (2001, 156 págs., R$ 36,90)

    *

    FILME

    Resistência **
    Amit Gupta (California Filmes, R$ 34,90)
    Essa "história alternativa" narra a invasão da Grã-Bretanha pela Alemanha após fracasso do Dia D (que deflagrou a vitória aliada na Segunda Guerra). Em aldeia do País de Gales, os homens sumiram (para preparar a resistência aos nazistas) e as mulheres convivem com soldados alemães refratários à ordem militar, em atmosfera ambígua e misteriosa.

    *

    LIVRO

    Cinquenta Poemas ****
    Gérard de Nerval; tradução de Mauro Gama (Ateliê Editorial, 144 págs., R$ 60)
    Poeta maldito, louco, suicida, o francês Nerval (1808-1855) compôs, a partir do desajuste, uma mitologia pessoal sob o "sol negro" da melancolia e da angústia. Nessa primorosa edição bilíngue, em rústica capa dura, o erudito prefácio do tradutor esclarece o hermetismo de uma linguagem onírica, obsessiva e fundadora da desviante sensibilidade moderna.

    *

    DISCO

    Strauss: Also Sprach Zarathustra ***
    Gustavo Dudamel, Filarmônica de Berlim (Deutsche Grammophon, R$ 29,70)
    Em contraponto à exposição sobre o diretor Stanley Kubrick no MIS, essa gravação da obra de Richard Strauss (que abre o filme "2001 - Uma Odisseia no Espaço") traz o vibrante Dudamel à frente da melhor orquestra do mundo. Completam o álbum os poemas sinfônicos "Don Juan" e "Till Eulenspiegels lustige Streiche" (baseado em burlador do folclore nórdico).

    manuel da costa pinto

    É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024