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    Manuel da Costa Pinto

    Coletânea concebida pelo músico Jordi Savall celebra harmonia perdida dos Bálcãs

    06/04/2014 02h30

    Sarajevo e Kosovo, sérvios, bósnios e croatas são lugares e etnias dos Bálcãs associados aos mais sangrentos conflitos que assolaram a Europa após a Segunda Guerra. E foi justamente como reação a esse legado recente de intolerância e genocídio que Jordi Savall organizou "Esprit des Balkans" (espírito dos Bálcãs, em tradução do francês) —disco que celebra a harmonia multiétnica que durante séculos ali pairou.

    Divulgação
    Jordi Savall (em pé, à dir.) como grupo Hespèrion XXI - Coletânea concebida pelo músico Jordi Savall celebra harmonia perdida dos Bálcãs.
    Jordi Savall (em pé, à dir.) como grupo Hespèrion XXI - Coletânea concebida pelo músico Jordi Savall celebra harmonia perdida dos Bálcãs.

    Savall é um artista prodigioso e um pesquisador obstinado. À frente do grupo Hespèrion XXI, do qual é um dos fundadores, o músico catalão vem gravando um repertório anterior ao século 19, pré-romântico, que inclui desde peças para viola da gamba dos franceses Sainte-Colombe e Marin Marais (do século 17) até volumes temáticos.

    Dentre estes, destacam-se os discos com obras compostas a partir de "Dom Quixote", de Cervantes, ou em contextos culturais específicos: as cidades de Jerusalém e Istambul, a corte de Isabel 1ª de Castela, na Espanha, ou a dinastia Bórgia, no renascimento italiano.

    Em "Esprit des Balkans", como de hábito em suas produções, o registro musical é acompanhado por um alentado livreto com pequenos ensaios sobre essa terra cujo nome, de origem turca, significa "mel e sangue". Aliás, a península balcânica deve ao Império Otomano seu longo período de convívio entre povos eslavos, helênicos e ciganos, além de judeus sefaraditas expulsos da Espanha no final do século 15.

    O repertório traz peças de origem sérvia, búlgara, macedônia e grega, entre outras, com destaque para a diabólica "Ciocârlia" romena, apresentada na inauguração da torre Eiffel, em 1889. Nos arranjos, o virtuosismo do violino cigano —acompanhado por címbalo, acordeão, sopros, baixo e percussão— acaba por uniformizar ritmos que oscilam entre a nostalgia e o transe.

    Mas a onipresença da música "rom" (dos ciganos do leste europeu) corresponde à proposta de restaurar os valores interpretativos e os padrões rítmico melódicos que encantaram compositores românticos como Liszt e Brahms. Nesse sentido, a coletânea vai na contramão das pesquisas etnomusicais dos húngaros Bartók e Kodaly (que procuraram separar claramente as tradições balcânica e cigana), fazendo desse povo nômade o filtro pelo qual Savall vaza a diversidade dos Bálcãs.

    CONEXÕES

    DISCOS

    ESPRIT DES BALKANS * * * *
    ARTISTA: Hespèrion XXI; Jordi Savall
    GRAVADORA: Alia Vox (importado)

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    TARAF DE HAÏDOUKS * * * *
    A vibrante banda cigana da Romênia é hoje o grupo que melhor representa a vivacidade e os dramas políticos dos Bálcãs.
    ARTISTA: Taraf de Haïdouks
    GRAVADORA: Nonesuch Records (1999, importado)

    *

    BARTÓK: CONCERTO FOR ORCHESTRA * * * * *
    Além do "Concerto para Orquestra", peças para viola, piano e celesta do compositor húngaro que associou vanguarda e pesquisa etnomusical.
    ARTISTA: vários
    GRAVADORA: EMI (2012, CD duplo, importado)

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    LIVROS

    O LIVRO DAS ILUSÕES * * *
    Emil Cioran; tradução de José Thomaz Brum (Rocco, 224 págs., R$ 33,50)
    Antes de adotar o francês como idioma de sua filosofia irônica e iconoclasta, o romeno Emil Cioran (1911-1995) escreveu na língua natal livros atravessados pelo furor metafísico e pela melancolia diante de um mundo que o repugnava. Nesta obra de 1936 (quando Cioran tinha apenas 25 anos), a sua nostalgia do absoluto se associa à música como experiência de um misticismo sem Deus, de um êxtase negativo.

    DA ALEGRIA NO LESTE EUROPEU E NA EUROPA OCIDENTAL E OUTROS ENSAIOS * * *
    Andre Plesu; tradução de Elpídio Mário Dantas Fonseca (É Realizações, 120 págs., R$ 29)
    Ministro da Cultura e das Relações Exteriores da Romênia no período pós-comunista, Plesu reúne conferências em que discute, no tom sarcástico de uma crônica de costumes, um regime cujo cinismo corroeu noções básicas de liberdade, tolerância e direito individual. O ponto de vista é assumidamente conservador, mas o humor irresistível é à prova de ideologias.

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    FILME

    TABU * * * *
    Miguel Gomes (Imovision, só locação)
    Vidas terminais no Portugal de hoje e, retrospectivamente, um caso de adultério e morte na África colonial. A fotografia em preto e branco e a voz de um narrador imprimem um andamento trágico e distanciado. E Miguel Gomes mostra como o cinema pode dar sentido épico às devastações mais íntimas, conectando-as aos fracassos históricos por meio de sutis e eloquentes alusões.

    manuel da costa pinto

    É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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