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    Manuel da Costa Pinto

    Jornalista reconstitui descoberta de suítes de Bach em tom de romance

    01/06/2014 02h00

    Em 1890, um menino catalão de apenas 13 anos, que aprendera a tocar violoncelo num instrumento adaptado a sua baixa estatura, ganha do pai organista seu primeiro violoncelo de tamanho adulto.

    Nesse mesmo dia, ambos percorrem os sebos próximos à Rambla, mais famosa avenida de Barcelona, à cata de partituras em que o jovem instrumentista pudesse se exercitar. Nessa garimpagem, topam com uma obra desconhecida do repertório barroco, que traz estampada na capa um título em francês: "Seis Sonatas ou Suítes para Violoncelo Solo por Johann Sebastian Bach".

    Reprodução

    Fascinado com a intrincada e sensual matemática daquelas pautas musicais, ele passa a praticar a partitura durante 12 anos, até se sentir à altura de, já artista reconhecido, estrear a peça do mestre alemão.

    O visionário músico mirim era Pablo Casals, a obra que ele apresentou ao mundo logo se tornaria a bíblia dos violoncelistas e "As Suítes para Violoncelo - J.S. Bach, Pablo Casals e a Busca por uma Obra-prima Barroca" é o título do livro em que o jornalista canadense Eric Siblin reconstitui essas histórias paralelas.

    O livro também é um pouco a história de como Siblin, um crítico de música pop, se tornou pesquisador obsessivo das suítes, a ponto de se associar à American Bach Society e estudar violoncelo.

    Estão lá episódios famosos na escassa biografia do compositor, como o do tecladista francês que fugiu da corte de Dresden após ser desafiado para um duelo musical com Bach, ou a ressurreição deste, quando Mendelssohn regeu o oratório "A Paixão Segundo São Mateus", em 1829 (até então, Bach era admirado num circuito restrito, embora seletíssimo, pois incluía Mozart e Beethoven).

    Siblin aproxima as suítes aos "riffs" de guitarra de bandas de rock, imagina enredos ocultos nas peças de Bach (como o epitáfio para a mulher insinuado no tom elegíaco da segunda suíte) e faz análises técnicas claras e acessíveis (por exemplo, sobre a "harmonia subentendida" que Bach confere ao violoncelo, um instrumento melódico).

    História de dois gênios, Bach e Casals, "As Suítes para Violoncelo" pode ainda ser lido como romance sobre os acasos milagrosos que nos restituíram um dos monumentos da cultura ocidental.

    AS SUÍTES PARA VIOLONCELO * * * *
    AUTOR: Eric Siblin
    TRADUÇÃO: Pedro Sette-Câmara
    EDITORA: É Realizações (360 págs., R$ 39)

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    CONEXÕES

    DISCO

    BACH: 6 SUITES A VIOLONCELLO SOLO * * * *
    Radicado no Brasil, o violoncelista grego interpreta as suítes com base no manuscrito original de Anna Magdalena Bach (mulher e copista do compositor).
    ARTISTA: Dimos Goudaroulis
    GRAVADORA: Tratore (R$ 39,90, CD duplo)

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    FILME

    JOHANN SEBASTIAN BACH — O MESTRE DA MÚSICA * * *
    Minissérie alemã reconstitui a trajetória pessoal de Bach e o impacto de suas inovações tonais e harmônicas.
    DIRETOR: Lothar Bellag
    DISTRIBUIDORA: Versátil (R$ 49,90, DVD duplo)

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    LIVRO

    "A MISSÃO ITALIANA" * * *
    Alessandra Vannucci (Perspectiva/Istituto Italiano di Cultura - San Paolo, 336 págs., R$ 55)
    Se uma missão francesa fundou a USP, nos anos 1930, coube a uma missão italiana lançar as bases do teatro do pós-guerra no Brasil. A pesquisadora genovesa analisa cinco diretores —Adolfo Celi, Ruggero Jacobbi, Luciano Salce, Flaminio Bollini e Gianni Ratto— que, a partir do Teatro Brasileiro de Comédia, criaram uma linguagem cênica autoral e realista.

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    DISCO

    "VILLA-LOBOS: THE GUITAR MANUSCRIPTS VOL. 1" * * * *
    Andrea Bissoli (Naxos, importado)
    Acompanhado pela Filarmônica de Minas Gerais, sob regência de Fabio Mechetti, Andrea Bissoli interpreta o "Concerto para Violão e Orquestra", de Villa-Lobos —obra-prima de lirismo profundo. O violista italiano interpreta também modinhas e serestas do compositor brasileiro, em versões com acompanhamento do flautista Stefano Brait e da soprano Lia Serafini.

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    FILME

    "JOVEM E BELA" *
    François Ozon (Paramount, R$ 29,90)
    Uma adolescente francesa (a deslumbrante Marine Vacth) começa a se prostituir e levar vida paralela. Detalhe fundamental: sua família é abastada, sem qualquer traço de disfunção emocional que "justifique" tal comportamento. De modo frio, apesar do tema ardente, Ozon penetra no caráter irredutível das fantasias, na sedução do risco e seus efeitos perturbadores.

    manuel da costa pinto

    É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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