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    Manuel da Costa Pinto

    Documentário 'Adeus, Camaradas!' retrata derrocada do comunismo

    06/07/2014 02h00

    "É o fim. Foi o que eu me disse. A lembrança que guardo é de aterradora clareza. Foi em 25 de dezembro de 1991. Eu tinha 33 anos e algo morreu dentro de mim. Para mim, era o ideal mais poderoso desde o cristianismo. Morto. O comunismo estava morto. Nascera do ideal primordial de justiça e fraternidade e foi, por século, reduzido à utopia. Mas nós os tínhamos levado ao poder."

    É com essas palavras do diretor Andrei Nekrasov que começa o documentário "Adeus, Camaradas!", sobre a derrocada do comunismo.

    Ao todo, são mais de cinco horas, divididas em seis episódios realizados em 2011 para o canal francês ARTE, com sensacionais imagens de arquivo e depoimentos de políticos, membros de serviços de segurança, artistas, intelectuais e trabalhadores que foram abrindo brechas no bloco soviético.

    "Adeus, Camaradas!" começa em 1975, ano que para Nekrasov marca o apogeu do poder de Leonid Brejnev, então secretário-geral do Partido Comunista soviético. O termo final da aventura comunista é o dramático pronunciamento de Mikhail Gorbachev, em 1991, comunicando sua renúncia da chefia do partido -quando, na prática, as repúblicas soviéticas já proclamavam independência, na esteira do fim do comunismo em países como Polônia, Tchecoslováquia e Alemanha Oriental.

    Além de mostrar a vida privada sob o regime (com ênfase na cena "underground"), de recuperar imagens da fuga (seguida de fuzilamento) do ditador romeno Ceausescu e da pacífica ascensão ao poder do escritor tcheco Václav Havel (um dos mais belos capítulos da história contemporânea), o valor do documentário está em sua linguagem.

    Quem conduz a narrativa é a filha do diretor, que interroga a voz do pai, sempre atônita com as nostalgias que Nekrasov (ex-assistente do cineasta Andrei Tarkóvski) sustenta em relação à utopia comunista. Esse conflito íntimo de gerações e pontos de vista confere um equilíbrio singular a "Adeus, Camaradas!", mostrando que boa parte daqueles que combateram os governos totalitários da "cortina de ferro" o fizeram para restaurar ideais socialistas.

    CONEXÕES

    FILME

    "ADEUS, CAMARADAS!" ****
    DIREÇÃO: Andrei Nekrasov
    DISTRIBUIDORA: Versátil (R$ 49,90, DVD duplo)

    LIVROS

    "A BANDEIRA VERMELHA -A HISTÓRIA DO COMUNISMO" ***
    O historiador da Universidade de Oxford faz um panorama do comunismo desde suas raízes ideológicas até o socialismo real da era soviética.
    AUTOR: David Priestland
    TRADUÇÃO: Luis Reyes Gil
    EDITORA: Leya (2012, 768 págs.; R$ 69,90)

    "MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA" ***
    Essa edição do célebre panfleto de 1848, que previa o advento inevitável do comunismo, tem posfácio do pensador norte-americano Marshall Berman.
    AUTOR: Karl Marx e Friedrich Engels
    TRADUÇÃO: Sergio Tellaroli
    EDITORA: Penquin-Companhia (2012, 112 págs.; R$ 15)

    *

    LIVROS

    "O LABIRINTO DA SOLIDÃO" ****
    Octavio Paz; tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht (Cosac Naify, 384 págs., R$ 69)
    O poeta mexicano, nascido há cem anos, foi um dos maiores ensaístas modernos. Aqui, ele disseca a cultura de seu país (a linguagem e as festas populares, os mitos nacionais e a relação da intelectualidade com a política). Pode parecer assunto distante, mas o México de Paz é como um espelho do Brasil, também às voltas com sua labiríntica identidade.

    "HISTÓRIA DA LITERATURA OCIDENTAL SEM AS PARTES CHATAS" ***
    Sandra Newman; tradução de Ana Tiemi Missato Cipolla e Marcelo Brandão Cipolla (Cultrix, 400 págs., R$ 58)
    A meta desse guia literário não é informar. Da definição do Paraíso, na "Divina Comédia" de Dante, como mistura de Coreia do Norte com coreografia da Broadway, ao capítulo sobre o realismo, que explica como "franceses e russos se unem para deprimir a humanidade", a escritora norte-americana faz o leitor gargalhar com sua leitura "freak" dos clássicos.

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    DISCO

    "RAVEL E SCRIABIN" ****
    Hyun-Jung Lim (Warner Classics, R$ 45,60)
    A pianista coreana Hyun-Jung Lim interpreta alternadamente peças do francês Maurice Ravel (como as "Valsas Nobres e Sentimentais" e a "Sonatina") e do russo Alexander Scriabin (como as sonatas nº 4 e 5). São obras de colorido intenso e luxurioso -que, no caso de um visionário como Scriabin, atingem momentos de êxtase frenético.

    manuel da costa pinto

    É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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