O quarteto Emerson faz jus ao nome -homenagem ao pensador norte-americano Ralph Waldo Emerson (1803-1882). Criado em 1976 por músicos da Julliard School, de Nova York, suas gravações não se limitam a oferecer algumas das melhores interpretações do repertório de câmara, mas são extremamente "pensadas", concebidas com a inteligência de quem associa aprimoramento técnico e paixão intelectual.
Bom exemplo disso é o recém-lançado "Journeys", que reúne peças de dois compositores tão díspares quanto o ultrarromântico Piotr Ilitch Tchaikovsky e o vanguardista Arnold Schoenberg. Do primeiro, temos "Souvenir de Florence"; do segundo, "Noite Transfigurada".
| Rodrigo Capote/Folhapress | ||
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| Concerto do Quarteto Emerson na Sala São Paulo em 2011 |
As duas obras foram compostas para sexteto de cordas, ou seja, acrescentam uma viola (Paul Neubauer) e um violoncelo (Colin Carr) à formação tradicional do quarteto. No caso do Emerson, essa formação traz os violinistas Philip Setzer e Eugene Drucker, que se alternam de modo inusual na função de "spalla" (primeiro violino), o violista Lawrence Dutton e o celista David Finckel (que depois dessa gravação foi substituído por Paul Watkins).
Mas "Journeys" não realça as similaridades formais entre as duas obras, e sim seus contrastes, mais eloquentes se considerarmos que "Souvenir de Florence" foi estreada em 1892 e "Noite Transfigurada", em 1902. No espaço de apenas uma década, temos um sexteto que obedece à sólida arquitetura camerística estabelecida no século 19 e uma peça hoje considerada pós-romântica (o que indica continuidade com a tradição), mas que à época foi recebida com assobios por uma plateia assombrada com sua modernidade.
Da forma-sonata do primeiro movimento ao "fugato" do quarto, "Souvenir de Florence" assimila o rigor dos quartetos de Brahms e, apesar do título, que remete a uma viagem do compositor à Itália, é repleta de um colorido russo disciplinado pela lição germânica.
Já "Noite Transfigurada" é inspirada em versos homônimos de Richard Dehmel e (observa Anthony Burton no encarte) se inscreve na linhagem dos poemas sinfônicos de Liszt e dos dramas musicais de Wagner. Seu único movimento, com quase meia hora de duração, vai esticando as harmonias num angustiante adiamento do repouso que aponta para dissolução tonal promovida por Schoenberg mais tarde.
Entre um Tchaikovsky mais clássico que o habitual e o germe das transfigurações de Schoenberg, o quarteto Emerson propõe, nas palavras de Drucker, uma jornada que leva da "expressão romântica ao expressionismo".
"JOURNEYS" * * * *
ARTISTA: Emerson String Quartet
GRAVADORA: Sony (R$ 30)
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CONEXÕES
DISCOS
"RICHARD WAGNER: ORCHESTRAL MUSIC" * * *
Essa seleção de trechos orquestrais de Wagner inclui o prelúdio da ópera "Tristão e Isolda", cujo cromatismo influenciou "Noite Transfigurada".
ARTISTA: Claudio Abbado, regente; Filarmônica de Berlim
GRAVADORA: Deutsche Grammophon (2013, R$ 42,90, importado)
"MAHLER: SYMPHONY Nº 10" * * *
A sinfonia inacabada de Mahler (aqui completada a partir de anotações do compositor) traz mesmas ousadias harmônicas
que a peça de Schoenberg.
ARTISTA: Simon Rattle, regente; Filarmônica de Berlim
GRAVADORA: EMI (2010, R$ 141,90, importado)
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LIVROS
"TRAGÉDIAS" * * * *
Sêneca; tradução: Zelia de Almeida Cardoso (WMF Martins Fontes, 268 págs., R$ 34,50)
A tragédia antiga está associada a gregos como Ésquilo, Sófocles e Eurípides. O filósofo romano Sêneca (4 a.C.-65d.C.), por sua vez, é mais conhecido por tratados morais, mas também escreveu tragédias, como as três aqui traduzidas do latim: "As Loucuras de Hércules", "As Troianas" e "As Fenícias" -de caráter mais solene e estático que suas fontes helênicas.
"LINDOLF BELL: 50 ANOS DE CATEQUESE POÉTICA" * * *
Org.: Rubens Jardim (Patuá, 200 págs., R$ 25)
Nos anos 1960, o poeta catarinense Lindolf Bell (1938-1998) promovia, em São Paulo, encontros com escritores que Propunham uma estética transgressiva, vitalista, de inspiração "beatnik". Para comemorar meio século do movimento, batizado como "Catequese Poética", Rubens Jardim reuniu depoimentos e poemas de autores desse período de efervescência cultural.
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FILME
"MONK - A SÉRIE COMPLETA" * * * *
Andy Breckman e Tony Shalhoub (Universal,R$ 199,90)
Nessa premiada série televisiva, Tony Shalhoub compôs uma personagem impagável: Monk, um detetive que foi afastado da polícia por conta de transtornos obsessivos e que usa suas fobias e sua mania de limpeza para resolver crimes em São Francisco (EUA). O ascético e "monacal" investigador é o mais legítimo herdeiro do tenente Columbo (vivido por Peter Falk).
É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.