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    Manuel da Costa Pinto

    Filmes de Miyazaki e Folman mostram maturidade em animações

    14/09/2014 02h00

    Se as histórias em quadrinhos vêm cada vez mais abordando temas complexos (gerando a expressão "graphic novel", "romance gráfico"), o filme de animação tem hoje mais densidade que a maioria das produções de uma indústria cinematográfica imbecilizada pela tecnologia digital.

    Não por acaso, o Japão –cujos mangás sempre abordaram temática adulta– se tornou irradiador dessa linguagem, principalmente com a criação do estúdio Ghibli, em 1985.

    Um de seus fundadores, Hayao Miyazaki, é diretor de "Vidas ao Vento", que funde sua obsessão por aviões com uma história de amor trágico às vésperas da Segunda Guerra, tendo por protagonista Jiro Horikoshi, criador do temível caça Zero.

    Divulgação
    Cena do filme "Vidas ao Vento"
    Cena do filme "Vidas ao Vento"

    Miyazaki explora o contraste entre o sonho do garoto míope, que não pode pilotar e por isso se torna engenheiro aeronáutico, com a fúria da indústria bélica japonesa. Em paralelo, está a história de amor com Naoko, que ele salva de um terremoto e reencontra num hotel onde ela se trata de tuberculose (remetendo ao romance "A Montanha Mágica", de Thomas Mann).

    Com traço que funde o impressionismo (nas cenas ao ar livre) com o realismo de Edward Hopper (cenas urbanas e interiores), Miyazaki faz um filme onírico, em que as aparições do projetista italiano Gianni Caproni pontuam as decepções de Jiro com o uso agressivo de uma tecnologia que para ele seria uma delicada forma de sublimar catástrofes amorosas e terremotos naturais e históricos.

    Esses desastres reaparecem de modo satírico e psicodélico (mas também trágico) em "O Congresso Futurista", do israelense Ari Folman ("Valsa com Bashir"), baseado em romance do polonês Stanislaw Lem. Misturando filme e animação, na primeira parte traz Robin Wright (no papel dela mesma) como atriz a quem um estúdio propõe substituir seu corpo real por uma imagem digital.

    Folman faz ácidas ironias com a indústria do espetáculo, que quer criar marionetes manipuláveis. Na segunda parte, essa crítica extrapola o âmbito do cinema: Robin vai a um congresso em que todos transformam-se em animações, graças ao elixir criado pelo produtor Reeve Bobs (avatar messiânico de Steve Jobs) para oferecer ao público uma realidade paralela, em que se pode encarnar estrelas de cinema.

    O contraponto é o filho de Robin, que sofre de doença degenerativa, mas resiste a entrar nessa vida de prótese –numa alternância entre real e virtual que faz de "O Congresso Futurista" uma reflexão alucinada sobre o uso alucinado da tecnologia.

    O CONGRESSO FUTURISTA * * * *
    DIRETOR: Ari Folman
    DISTRIBUIDORA: Imovision (locação)

    VIDAS AO VENTO * * *
    DIRETOR: Hayao Miyazaki
    DISTRIBUIDORA: California (R$ 39,90)

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    LIVRO

    A MORTE DE IVAN ILITCH EM QUADRINHOS * * *
    Liev Tolstói e Caeto (Peirópolis, 80 págs., R$ 39)
    Essa novela de 1886, em que um juiz russo se vê confrontado à morte e entra em crise espiritual, ganha adaptação do paulista Caeto. Os quadrinhos em preto e branco materializam as personagens de Tolstói respeitando o texto, que muitas vezes ocupa a área maior que a dos desenhos e segue a versão de Boris Schnaiderman, mestre dos tradutores do russo no Brasil.

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    DISCO

    A THOUSAND THOUGHTS * * * *
    Kronos Quartet (Nonesuch, R$ 109,80, importado)
    Mais do que uma formação de virtuoses, o Kronos desenvolve um sensacional trabalho de pesquisa de repertório e de parceria com compositores contemporâneos. Aqui, o quarteto reúne peças de raiz folclórica retrabalhadas por grupos e artistas de 14 países e interpretadas com um pulso camerístico ao qual se somam instrumentos originais e intérpretes convidados.

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    FILME

    AMANTE A DOMICÍLIO * * *
    John Turturro (Imagem, R$ 39,90)
    Turturro e Woody Allen trabalham numa livraria de livros raros que acaba de fechar as portas. O segundo tem então a ideia de fazer do primeiro um gigolô (entre suas clientes, uma portentosa Sharon Stone!), numa comédia que ganha delicadeza ao contrastar a sofisticação novaiorquina com os fracassados das comunidades de negros e judeus do bairro do Brooklyn.

    manuel da costa pinto

    É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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