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    Manuel da Costa Pinto

    Romance narra impasses de comunidades judaicas antes do Holocausto

    28/09/2014 02h00

    Poucos leitores não judeus se dão conta de que o hebraico –hoje, língua oficial de Israel- permaneceu durante séculos quase exclusivamente associado aos textos e ritos religiosos, só voltando a ser falado no século 19, no contexto do nacionalismo sionista. A literatura hebraica, portanto, apenas recentemente se tornou uma tradição vigorosa, embora haja inúmeros registros de obras no idioma em períodos anteriores.

    Entre seus principais escritores, cabe lugar central a Sch. I. Agnon, ou Schai Agnon, pseudônimo de Schmuel Iosef Czaczkes (1888-1970) -ganhador do prêmio Nobel de 1966. "Hóspede por uma Noite" é um romance em que Agnon dramatiza sua própria experiência, como judeu da Galícia (região do Império Austro-Húngaro hoje pertencente à Ucrânia) que emigrou para a Palestina britânica.

    Na verdade, uma dramatização às avessas, na forma de um narrador anônimo, escritor, que visita sua terra natal para encontrar um ambiente de desintegração dos "shtetls", dos vilarejos judaicos da Europa Central que, após uma sucessão de "pogroms" (massacres em massa), seriam dizimados durante a Segunda Guerra que se iniciava em 1939, ano de publicação do livro.

    É possível ver um prenúncio do Holocausto, mas, no cerne do romance, há questões atemporais. A maior delas é o dilema entre migrar para Israel, integrar-se à cultura europeia ou permanecer atado a tradições confinadas no gueto.

    O romance descreve uma sucessão de encontros com rabinos, comerciantes, homens e mulheres comuns que, num misto de admiração e inveja, veem no narrador aquele que realizou a sonhada ida à Terra Prometida. Este, em contrapartida, encontra naqueles seres esquálidos, alguns mutilados pela violência, uma penúria existencial cujo símbolo é a casa de estudos da cidade -agora fechada e esquecida.

    O próprio nome da cidade imaginária, Szibusz, carrega o sentido de deterioração do termo hebraico "schibusch", como explica o excelente posfácio em que Luis Krausz descreve o romance como "panorama grandioso e trágico da agonia final do 'schtetl'" -uma agonia antes da catástrofe.

    LIVROS

    "CONTOS DE AMOR" * * * *
    Reúne contos, em forma de parábola, inspirados pelo Cântico dos Cânticos da tradição hebraica.
    AUTOR: Sch. I. Agnon
    TRADUÇÃO: Rifka Berezin
    EDITORA: Perspectiva (1996, 290 págs. R$ 39)

    "PASSAGENS" * * * *
    Com o subtítulo "Literatura Judaico-Alemã entre Gueto e Metrópole", estudo inclui Agnon entre os autores abordados.
    AUTOR: Luis S. Krausz
    EDITORA: Edusp/Fapesp (2012, 460 págs. R$ 64)

    "HÓSPEDE POR UMA NOITE" **
    AUTOR: Sch. I. Agnon
    TRADUÇÃO: Zipora Rubinstein
    EDITORA: Perspectiva (576 págs., R$ 70)

    manuel da costa pinto

    É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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