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    Manuel da Costa Pinto

    Saga da desconstrução

    DE SÃO PAULO

    09/11/2014 02h00

    Uma saga familiar com elementos de romance histórico pode soar meio antiquado —como acontece com "Quartos Fechados", que a espanhola Care Santos veio lançar este mês no Fórum das Letras de Ouro Preto. Ocorre que o romance tem duas outras características que o fazem ir além de uma trama envolvente sobre a revelação de um segredo encoberto por gerações.

    De um lado, temos a cidade de Barcelona no início do século 20, reconstituída com notável rigor histórico e inúmeras referências à vida cultural da capital catalã (incluindo sociedades espíritas que, à época, tinham conotação de dissidência intelectual e política).

    Reprodução
    Imagem do incêndio dos Almacenes El Siglo, em Barcelona, no Natal de 1932
    Imagem do incêndio dos Almacenes El Siglo, em Barcelona, no Natal de 1932

    De outro, a figura de um pintor, Amadeo Lax, cuja imagem vai sendo desconstruída ao longo da narrativa —o que dá a nota de modernidade a esse livro escrito nos moldes do romance realista.

    O enredo é caudaloso, repleto de personagens e núcleos paralelos que uma árvore genealógica e um glossário, publicados ao final, ajudam a destrinchar. E a ação é deflagrada no momento em que Violeta Lax (neta de Amadeo que mora nos EUA) retorna a Barcelona para inaugurar um centro cultural dedicado ao avô. Durante a remoção de afresco pintado na antiga mansão familiar, os operários descobrem o cadáver de Teresa, mulher e musa de Amadeo, que havia desaparecido em 1936 sob suspeita de adultério.

    "Quartos Fechados" alterna o tempo presente da narrativa, com as investigações do passado sendo descritas por cartas e e-mails, e um relato centrado nos anos 1900-1930, com personagens históricos (como o rei Alfonso 13 ou o ditador Primo de Rivera) participando de cenas ficcionais e acontecimentos reais (como o grande incêndio dos Almacenes El Siglo, no Natal de 1932) —servindo de moldura para o embate entre as aristocracias madrilenha e catalã.

    E, se a revelação do segredo do clã dos Lax coincide com o momento de eclosão da Guerra Civil Espanhola, a descrição das diferentes fases do pintor Amadeo (em textos que emulam catálogos de arte) vai sendo contrastada com sua crueldade progressiva —num contraponto privado à devastação da vida pública espanhola.

    *

    LIVRO
    QUARTOS FECHADOS ***
    AUTOR: Care Santos
    TRADUÇÃO: Luis Carlos Cabral
    EDITORA: Record (2014, 462 págs., R$ 45)

    manuel da costa pinto

    É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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