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    Manuel da Costa Pinto

    Filme e romance partem de trama levada ao cinema por Louis Malle

    07/12/2014 02h00

    Dois lançamentos díspares entre si partem de uma mesma obra. Ou melhor, de duas: do romance "Fogo-fátuo" (1931), de Drieu la Rochelle, e de sua adaptação cinematográfica, "Trinta Anos Esta Noite" (1963), de Louis Malle, cujo protagonista, após ter alta parcial numa clínica para alcoólatras, entra em contato com o vazio que o levara ao vício -e o lança na obsessão pelo suicídio.

    "Oslo, 31 de Agosto" (2011, lançado agora em DVD) atualiza esse clima de desespero para um ambiente em que o liberalismo de costumes e o bem-estar social dos países nórdicos (o longa, como indica o título, se passa na Noruega) expõem seus viventes à nudez de uma existência intranscendente.

    Nascido em Copenhague, parente distante do dinamarquês Lars von Trier, o norueguês Joachim Trier imprime andamento seco, embora quase onírico, à viagem final de Anders -que, saído de um tratamento para toxicômanos, perambula pelas ruas desoladas de Oslo e encontra amigos que se refugiaram no cotidiano doméstico ou conseguem fazer uso recreativo das drogas em festas frenéticas.

    Anders ostenta uma clarividência moral (mas não moralista) e uma melancolia que o levam a confrontar a ausência, a buscar a ex-namorada (que nunca responde a seus recados no celular) e a casa dos pais (que nunca aparecem), onde se passa a devastadora cena final.

    Se os pais iluministas de Anders lhe ensinaram hábitos tolerantes, mas também a intolerância com a vulgaridade da sociedade do espetáculo -lançando-o nessa zona perigosamente fria da razão cética, da autonomia e da impessoalidade-, o novo livro de Patrícia Melo tem justamente as perversões da cultura de massa como fundo.

    Primeiro romance policial de uma escritora que sempre abordou a violência, "Fogo-fátuo" replica o título do romance de Drieu la Rochelle, porque é a partir dele que ocorre a cena do crime. Durante representação teatral da trama do escritor francês, a cena do suicídio redunda em morte real. Descobrir quem trocou a balas de festim por um projétil letal, na arma usada pelo ator, é o mote da investigação de Azucena Gobbi, chefe de perícias da Central Paulista de Homicídios.

    Tendo por modelo o romance "noir" de Dashiell Hamett e Raymond Chandler, Patrícia Melo criou uma protagonista cujo esfacelamento da vida familiar faz contraponto à rede de pedofilia, vinganças e chantagens esmiuçada ao longo dessa ágil narrativa urbana. Mais do que descrever um inquérito, porém, "Fogo-fátuo" disseca a aberração que consiste em ludibriar, por meio do narcotizante mundo das celebridades, o vazio
    flagrado pelo filme de Trier.

    FILME

    Oslo, 31 de Agosto ****
    Diretor: Joachim Trier
    Distribuidor: Lume (R$ 44,90)

    LIVRO
    Fogo-Fátuo ****
    Autora: Patrícia Melo
    Editora: Rocco (304 págs., R$ 29,50)

    -

    DISCO
    Beethoven - Fortepiano e Cello ***
    Liliane Kans e Alberto Kanji (Tratore, R$ 25,90)
    Ao lado do violoncelista Alberto Kanji, a pianista Liliane Kans interpreta as duas primeiras sonatas para cello e piano de Beethoven, sobre tema da ópera "A Flauta Mágica", de Mozart. E o faz num fortepiano, instrumento predecessor do piano moderno, aproximando-nos do universo sonoro e timbrístico da época em que o compositor escreveu as peças.

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    LIVRO
    Os Druidas ***
    Filippo Lourenço Olivieri (Perspectiva, 136 págs., R$ 29)
    Todo leitor das aventuras de Asterix já se perguntou qual é a base histórica da personagem Panoramix, druida que prepara a poção mágica dos gauleses criados pelos quadrinistas Goscinny e Uderzo. A resposta está neste livro, que analisa a função social e política desses líderes religiosos e de seus rituais na antiga civilização celta, em especial na Gália e na Britânia.

    manuel da costa pinto

    É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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