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    Manuel da Costa Pinto

    Trincheiras modernistas

    26/07/2015 02h00

    Hoje em dia, revistas literárias são publicações com resenhas de livros, entrevistas, notícias do mercado editorial —e, em menor medida, voltadas para a publicação de inéditos de prosa e poesia. Há cerca de cem anos, no entanto, reuniam não apenas escritores, mas também artistas e intelectuais, para propor mudanças radicais no panorama da literatura e da arte.

    Se o termo vanguarda —associado a movimentos como futurismo, dadaísmo, expressionismo etc.— tem a conotação bélica de "linha de frente" de uma formação militar, as revistas vanguardistas foram ao mesmo tempo o aríete que rompia os padrões e a trincheira que reunia seu contingente.

    O modernismo brasileiro foi rico em revistas que, como acontecia nas vanguardas europeias, publicavam manifestos às vezes mais experimentais que os textos que seus autores publicavam depois. Muitas, porém, só podiam ser encontradas em bibliotecas e coleções particulares.

    Daí a importância da caixa "Revistas do Modernismo 1922-1929", com reproduções fac-similares de todos os números de seis dessas publicações, feitas em sua maioria a partir do acervo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, que conserva as coleções dos bibliófilos Rubens Borba de Moraes e José Mindlin.

    Cada volume, sempre precedido de estudo crítico e formato que respeita o design original, é dedicado a uma revista, a começar pela "Klaxon", primeira publicação modernista. Concebida por mentores da Semana de 22, como Mário de Andrade, Guilherme de Almeida e Menotti Del Picchia, "Klaxon" é a mais conhecida delas, ao lado da "Revista de Antropofagia", que traz o célebre manifesto de Oswald de Andrade —sendo ambas de São Paulo.

    Outras publicações surgiram em Minas Gerais: a revista "Verde", de Cataguases (caso singular de um núcleo de vanguarda surgido numa cidade interiorana, não numa metrópole), e "A Revista" (Drummond entre seus criadores). Após o ímpeto "antipassadista" da Semana de Arte Moderna, adotam tom mais conciliador, numa espécie de "mineirice" vanguardista.

    Nessa "república do café-com-leite", "Estética", criada no Rio de Janeiro por Sérgio Buarque de Holanda e Prudente de Moraes Neto, destoa pelo caráter mais reflexivo, procurando consolidar as propostas modernistas.

    No conjunto, portanto, "Terra Roxa e Outras Terras" é mais instigante, graças à devastadora apresentação em que Antonio Arnoni Prado mostra as contradições do modernismo paulista -um triunfalismo que, travestido de vanguarda, expõe o caráter tradicionalista e provinciano da modernidade brasileira.

    CONEXÃO

    Livro - ORPHEU 1915-2015
    Antologia comemora centenário da revista vanguardista de Portugal, reunindo textos nela publicados por poetas como Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, além de revisões críticas contemporâneas.

    ORGANIZAÇÃO: Carlos Felipe Moisés
    EDITORA: Unicamp
    (2014, 304 págs., R$ 54)

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    DISCOS

    ALISA WEILERSTEIN - DVORÁK

    Alisa Weilerstein e Orquestra Filarmônica Tcheca (Decca, R$ 67,90 importado)

    ALISA WEILERSTEIN - SOLO

    Alisa Weilerstein (Decca, R$ 67,90 importado)

    A violoncelista norte-americana percorre um século de recriações de fontes populares. No álbum dedicado ao tcheco Antonín Dvorák (1841-1904), um dos maiores concertos para violoncelo de todos os tempos, escrito no país da solista (aqui regida por Jirí Belohlávek): peça de colorido folclórico, mas com o rigor estrutural que Brahms tanto admirava. Completam
    o registro peças para violoncelo e piano. O solo também começa no leste europeu, na "Sonata op. 8" do húngaro Kodály, de enraizamento mais sombrio na terra natal, seguida de "Omaramor", de Osvaldo Golijov (homenagem a Gardel que desconstrói frases do tango), uma suíte do espanhol Gaspar Cassadó e uma obra-prima em que Bright Sheng explora modos oriundos de geografias da China.

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    LIVRO

    AMORES MODERNOS
    O ensaio tem subtítulo autoexplicativo: "A vida amorosa, erótica e sexual de artistas e intelectuais que abriram as fronteiras de seus relacionamentos", como Sartre e Simone de Beauvoir, Henry Miller e Anaïs Nin e Lou Andreas-Salomé e Rilke. Nada acrescenta à biografia dos autores, mas prova que a inteligência seduz mais para provocar mudanças libertárias do que palavras de ordem.

    Daniel Bullen; tradução de Carmen Fischer (Seoman, 304 págs., R$ 43,20)

    manuel da costa pinto

    É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

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