Autor de "Pagando por Sexo" —HQ na qual o relato de experiências com garotas de programa põe em xeque o mito do amor romântico e os discursos libertários sobre a sexualidade—, o canadense Chester Brown aborda agora a relação entre religião e prostituição.

A partir da adaptação para quadrinhos de episódios bíblicos e lançando mão de notas eruditas ao final do volume, "Maria Chorou aos Pés de Jesus" flagra as ambiguidades das Escrituras em relação ao desejo e à condição feminina, desvelando práticas sexuais (em especial, formas mais ou menos consentidas de promiscuidade) que seriam "purificadas" pelas leituras canônicas da Bíblia.

Prova de que as "graphic novels" criaram um novo gênero literário, não mais restrito a crianças e jovens, o traço duro de Brown faz contraponto a sua visão pragmática dos fatos históricos, numa leitura provocadora e inteligente dos relatos judaico-cristãos em tempos de manipulação de moralismos conservadores e de censura oportunista à liberdade de costumes e da reflexão artística.

Maria Chorou aos Pés de Jesus - Prostituição e Obediência Religiosa na Bíblia. Autor: Chester Brown. Tradução: Érico Assis. Editora: WMF Martins Fontes (2017, 292 págs., R$ 44,90)

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SÉRIE

Realismo cético
Com o ator shakespeariano Kenneth Branagh no papel do insone e depressivo investigador Kurt Wallander, esta série britânica se passa na Suécia, país de origem do romancista Henning Mankell (1948-2015), cujos romances policiais serviram de base para a adaptação.

Cada uma das quatro temporadas tem apenas três episódios longos, com 1h30 de duração. Esse formato, inusual nas séries televisivas, permite adensamento de personagens e tramas, que incluem desde crimes familiares e religiosos até delitos envolvendo refugiados e gangues -sempre com a atmosfera de desolação emocional que deriva do cético realismo da ficção "noir" escandinava.

Wallander. Direção: Philip Martin e outros. Elenco: Kenneth Branagh, Sarah Smart, Jeany Spark. Produtora: Left Bank Pictures (2008-2016). Na Netflix

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DISCO

Mescla romântica
O quarteto formado por Alceu Reis (violoncelo), Gabriel Marin (viola), Cláudio Cruz e Adonhiran Reis (violinos) grava obras de câmara do romantismo brasileiro. Ao lado da "Sonata para Cordas" de Carlos Gomes, um dos pilares do nacionalismo musical, os quartetos de Alexandre Levy e Glauco Velásquez são obras de compositores que, mortos prematuramente, vêm sendo redescobertos e revelam a profundidade e a riqueza melódica e estrutural da música romântica do Brasil, muitas vezes preterida pelo modernismo (cuja mescla de valores eruditos e fontes populares não deixa de estar presentes, em germe, nesses autores).

Carlos Gomes/Alexandre Levy/Glauco Velásquez. Artista: Quarteto Carlos Gomes. Gravadora: Selo Sesc (2017, R$ 20)

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A coluna "Edição Cult" é publicada aos domingos, a cada 15 dias, na revista sãopaulo.

manuel da costa pinto

É jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Escreve aos domingos, a cada duas semanas.

• manueldacostapinto@gmail.com