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    Mara Gama

    Lixo: Do prato ao prato

    27/06/2014 02h00

    Na última quarta-feira (25), assim como um monte de paulistas, comi feijoada. Mas foi uma feijoada diferente. Numa mesa montada em um estacionamento, experimentei o feijão, a couve e os temperos cultivados no telhado do Shopping Eldorado, com adubo da compostagem do lixo orgânico gerado pelos restaurantes dali, que servem em média 10 mil refeições diárias.

    BioIdéias/Divulgação
    Couve cultivada no telhado verde do shopping, na Marginal Pinheiros, em São Paulo
    Feijão cultivado no telhado verde do shopping, na Marginal Pinheiros, em São Paulo

    Na cobertura do prédio, que fica na Marginal do rio Pinheiros, caixas d´água, tubulações de ar condicionado, escadas e encanamentos dividem lugar com fileiras de caixotes de plástico onde crescem ervas, verduras, flores e frutas, somando 2,5 mil metros de plantação.

    A feijoada celebrou com os funcionários do empreendimento a 11ª e a maior safra registrada lá desde a implantação da horta, no fim de 2012: foram colhidos, em maio, 20 kg de feijão preto, do tipo Una.

    Mas a horta já deu muita alface, berinjela, pimentão, abobrinha, pimenta e flores, que foram divididos entre os cerca de 420 empregados das áreas de manutenção, limpeza, segurança e administração do shopping. Até o fim de 2014, se espera expandir a horta para 6 mil metros, ocupando toda a área útil da cobertura, e ter a maior fazenda urbana da América Latina.

    O telhado verde do shopping é um caso de sustentabilidade. Recebe visitas de empresários de hotéis e shoppings, e escolas de todo o país. Já rendeu "mais de 100 TCCs" (trabalhos de conclusão de curso) de estudantes de faculdades, de acordo com Rui Signori.

    Signori é o engenheiro agrônomo que elaborou o plano de gestão de resíduos e conseguiu –"depois de bater de porta em porta com um vasinho na mão"– conquistar a confiança de Sergio Nagai, também engenheiro e superintendente do shopping, em 2011.

    BioIdéias/Divulgação
    Feijão cultivado com adubo de compostagem do lixo orgânico gerado nos restaurantes do Shopping Eldorado, em São Paulo
    Couve cultivada com adubo de compostagem do lixo orgânico gerado nos restaurantes de shopping

    A horta é considerada "a cereja do bolo" do projeto que pretende chegar ao lixo zero em 2016, o que significa resolver dentro do próprio empreendimento todo o resíduo gerado ali, fechando o ciclo. Existe já um trabalho de tratamento para reúso de água para a irrigação das áreas ajardinadas, que aguarda apenas a conclusão de uma tubulação. E Nagai pretende ampliar o tratamento dos efluentes para tornar potável toda a água utilizada.

    O tratamento do lixo orgânico começa na coleta do lixo dos restaurantes. Na praça de alimentação, funcionários separam os restos de comida das bandejas e dos pratos de papéis, plásticos e vidros. Todo funcionário de limpeza passa uma hora por dia nessas ilhas de separação, o que é considerado um fator de sucesso do plano, por aproximar todos os envolvidos no processo de reciclagem.

    Os materiais separados são enviados para o subsolo do shopping. Uma cooperativa contratada recolhe os recicláveis e também as lâmpadas. O material orgânico é separado por dois auxiliares de compostagem em recipientes onde é adicionado um primeiro catalisador biológico (biopolímero). Com a reação química, os resíduos atingem a temperatura de 60 graus e são transformados. Depois desse processo, é adicionado um outro biopolímero que acelera a compostagem. Concluído o ciclo, está pronto o composto que será usado como base e adubo para a horta, no telhado.

    Sem os catalisadores, o tempo de compostagem comum de orgânicos pode chegar a 180 dias. A economia de tempo também gera economia de espaço –sem o acelerador seria necessário dispor de áreas maiores para o acúmulo de resíduos em vários estágios de decomposição.

    Hoje, das 325 toneladas de resíduos geradas mensalmente em todo o shopping, são separadas 30 toneladas de material orgânico para essa compostagem acelerada, 45 toneladas de material reciclável –plásticos, papéis, vidros e lâmpadas, recolhidos por uma cooperativa, e as restantes 250 toneladas de lixo ainda são enviadas para aterros, pela coleta tradicional.

    "O mais importante, com ou sem horta, é que estamos deixando de mandar para o aterro uma boa quantidade de resíduos e vamos ampliar isso", diz Sergio Nagai. "A primeira pergunta que me fazem é: quanto estou economizando. Não estou economizando nada. O mais barato é o que as pessoas faziam antigamente, que era mandar alguém jogar o lixo bem longe, de qualquer jeito. Mas isso não tem cabimento. Queremos zerar nosso impacto", diz.

    Se não gera economia ainda, a operação também não é cara. Para a horta, são R$ 12 mil mensais com colaboradores, equipamentos, manutenção e mudas.

    Para conseguir chegar até a implantação de uma horta, foi necessário um trabalho de análise do lixo orgânico gerado no local, para determinar a qualidade do resíduo e quais as enzimas necessárias para a sua decomposição. Após os testes, duas enzimas foram desenvolvidas pelo Instituto Bioidéias, de Rui Signori e do engenheiro Lázaro Sebastião Roberto. O processo é patenteado e deve ser implantado em mais dois shoppings no Rio de Janeiro ainda este ano.

    O desenho do projeto depende da composição e da quantidade dos resíduos. "Os resíduos não são todos iguais. Não existe uma solução pronta para todos eles", diz Signori. "Sustentabilidade não é um produto. É um processo. É um projeto de pesquisa e ciência aplicada. Temos de fazer análises sistemáticas e periódicas para evoluir e adequar equipamentos e materiais", diz Signori.

    mara gama

    É jornalista com especialização em design, roteirista e consultora de qualidade de texto.
    Escreve às sextas.

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