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    Mara Gama

    Lixo: Crédito a funcionário impulsiona coleta seletiva em condomínio

    DE SÃO PAULO

    05/09/2014 03h00

    No começo dos anos 1990, uma moradora de um condomínio do Alto de Pinheiros, em São Paulo, propôs aos seus vizinhos que fizessem separação do lixo doméstico para evitar que os funcionários da limpeza se ferissem com cacos de vidro e tampas de latas.

    A ideia pegou. Contente com o resultado, ela foi aprimorando a separação, divulgando a prática e conquistando adeptos no conjunto de prédios, que funciona em regime de autogestão desde sua inauguração, 41 anos atrás.

    Em 1992, os seis prédios do Ilhas do Sul formalizaram o sistema de administração do lixo, que cobre os 480 apartamentos de 180 metros quadrados e que funciona direito até hoje, com coletas diárias de recicláveis em todos os andares. No último mês de agosto, saíram dos apartamentos e foram vendidas para empresas recicladoras 12 toneladas de materiais, entre embalagens de plástico, latas, vidros, papéis brancos, papelões, jornais e revistas.

    Só por tirar da rota do aterro sanitário essa montanha de lixo por mês, o programa já é vitorioso. Mas, além disso, ele gera benefícios para quem põe a mão na massa: o dinheiro da venda dos recicláveis vai para um fundo que serve exclusivamente para os funcionários do condomínio, o Fafis (Fundo de Auxílio dos Funcionários do Ilhas do Sul). Os recursos do Fafis podem ser sacados para empréstimos sem cobrança de juros e também pagam festas e cestas de Natal.

    O dinheiro que entra por mês não é uma fortuna, mas dá muito bem para manter o fundo: cerca de R$ 30 mil por ano. E a existência de uma contrapartida imediata num sistema transparente é a chave da adesão ao projeto, na avaliação de sua criadora. "O forte da história sempre foi a ideia de ajudar os funcionários, para que eles mantivessem o programa", conta Maria Anisia de Andrade, 74, nascida na Hungria e naturalizada brasileira, a mãe da ideia.

    Maria Anisia segue coordenando o trabalho que envolve doze funcionários. Os moradores separam o lixo em duas porções –recicláveis num saco e não recicláveis em outro– colocam em caixas separadas que ficam em todos os andares. Os funcionários da limpeza passam às 7h para pegar as caixas e levar para uma sala no térreo. Ali fazem a separação por tipo e deixam tudo pronto para as empresas recicladoras retirarem.

    "No começo era só batida de cabeça". Deu trabalho para achar as empresas que comprassem cada tipo de material e que fossem retirar com a frequência devida. Com o tempo, ficou mais fácil. Ela intervém, às vezes, na ponta mais vulnerável do sistema: "De vez em quando tenho de dar uma sacudida nos moradores, para que não se esqueçam de deixar os sacos separados", diz. "Mas quando sai alguma matéria sobre reciclagem ou sobre a nossa experiência, a coleta cresce", comenta.

    Maria Anisia tem orgulho dos acertos, mas não mistifica seu projeto."Me inspirei na minha vida. Sou filha da guerra, nasci em 1940. Os refugiados aproveitavam o que se tinha. Quando criança, eu vendia lata e garrafa para comprar sorvete. De repente apareceu esse mundo moderno que é uma explosão enorme de lixo. Temos que reaproveitar", diz ela. "E esse trabalho não tem fim. Se começou, não pode parar".

    mara gama

    É jornalista com especialização em design, roteirista e consultora de qualidade de texto.
    Escreve às sextas.

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