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    Mara Gama

    Lixo: Muito celular e pouca reciclagem, dois males do Brasil são

    19/09/2014 10h23

    Na sua casa, na festinha e na merenda (e no trajeto entre elas) mais brasileiros estão grudados no celular. Numa população de 201,5 milhões de pessoas, 130,8 milhões tinham telefone móvel em 2013, um crescimento de 6,3 milhões em relação a 2012. O percentual dos que possuíam celular entre os que têm mais de 10 anos de idade aumentou de 72,8% em 2012 para 75,5% em 2013.

    Os dados são do Pnad 2013 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e foram divulgados na quinta (18). O IBGE estimou o número de domicílios particulares no país em 65,1 milhões.

    Segundo a Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), o faturamento geral do setor de eletroeletrônicos em 2013 atingiu R$ 156,7 bilhões, um crescimento nominal de 8% sobre 2012, motivado por smartphones e tablets. Os smartphones estão substituindo os celulares tradicionais, fazendo com que o mercado dessa faixa tenha crescido 14% na comparação com 2012.

    O giro dos telefones é cada vez mais rápido. Os celulares aposentados vão se somar aos computadores e a outros equipamentos que também tiveram incremento no consumo para alimentar um outro número gigante: o Brasil pode produzir cerca de 1.600 mil toneladas de resíduos de eletroeletrônicos em 2015, segundo projeção da GSMA, associação que representa operadoras de telefonia móveis em todo o mundo.

    Não existe um levantamento oficial de quanto disso é hoje destinado corretamente e reciclado no Brasil, mas a estimativa de alguns especialistas é de que seja menos de 1%.

    A reciclagem desses produtos não é simples, mas pode ser altamente rentável, se for construído um sistema integrado e com escala. Basicamente, os celulares são compostos de 45% de plástico, 10% de cerâmicas, 20% de cobre, 20% de ouro, alumínio e outros metais e 5% de outros elementos.

    O que fazer e como fazer com o e-lixo no Brasil e no mundo são temas do 4 Seminário Internacional sobre Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos no Porto Digital, pólo tecnológico de empresas de tecnologia da informação e comunicação instalado em Recife (PE), até essa sexta (19).

    Pesquisadores, empresários, representantes de agências governamentais e ONGs do Brasil, China, Inglaterra, Chile e Peru debatem boas práticas de gestão, formas de descarte apropriadas, ecodesign e a construção de uma cadeia de valor que inclua a reciclagem dos eletroeletrônicos. O que se quer é construir o caminho de volta desses resíduos das casas e empresas para as fábricas e reinseri-los no ciclo de vida de produção.

    O seminário é realizado desde 2011 e é o único desse porte no país. Para Silvio Meira, um dos fundadores do Porto Digital e professor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio, o que mudou no Brasil desde que o primeiro seminário foi um aumento da conscientização sobre a toxicidade dos resíduos eletroeletrônicos. "Mas, na prática, ainda é um desastre total. As pessoas ainda jogam celular e computador em qualquer canto".

    E por onde deve começar a mudança? Segundo ele, diminuindo o consumo. "Temos que conter o frenesi da compra", principalmente dos smartphones. "A base do software do smartphone está no aparelho. A cada ano, metade dos smartphones vira descartável", diz. "Se existem hoje cerca de 100 milhões de smartphones, em um ano serão de 50 milhões descartados", calcula.

    Mas a transformação tem de incluir os produtores. "Só uma alteração radical na cadeia de valor desses produtos pode mudar o quadro". A mudança incluiria ter tempo de giro de software mais longo. Ou seja, menos miniatualizações, com produtos mais duradouros.

    E a reciclagem? Meira cita como exemplo a ser observado o que já acontece com as baterias automotivas. "O chumbo se tornou tão raro e caro que hoje o bateria nova vem da velha. Você não consegue comprar uma bateria sem dar a sua velha. Quando se fecha a cadeia, ela se justifica economicamente", diz.

    "A não ser que a gente vá minerar os asteróides, será necessário usar o descarte como insumo", diz. Segundo estudo da GSMA, enquanto uma tonelada de minério de ouro contém 5g de ouro, uma tonelada de telefones celulares contém 400 gramas de ouro.

    Para que seja mais simples "minerar" o descarte, uma primeira diretriz de redesign seria alterar os processos de montagem e soldagem de componentes das telas, por exemplo, hoje um entrave para o reaproveitamento.

    E mesmo enquanto essa cadeia não se estabelece, o cidadão pode seguir fazendo sua parte. Não jogar o celular ou qualquer outro resíduo de eletroeletrônico no lixo comum domiciliar é fundamental. Só o impacto do equipamento no triturador do caminhão de lixo já faz com que os metais se espalhem e contaminem todo o resto, levando substâncias tóxicas para os aterros.

    Os distribuidores de produtos e serviços também teriam papel fundamental. Grandes cadeias de supermercado, revendas e operadoras seriam pontos de coleta permanentes. "Deveria ser obrigatório e fazer parte do procedimento de venda: onde o senhor vai colocar seu celular velho? Deixe aqui conosco e damos um desconto no novo", exemplifica. Assim se incluiria o equipamento antigo no ambiente regulatório e na estrutura de custo.

    No fim das contas, o reciclador poderia "minerar" com lucro. "A hora que você tiver 1 trilhão de celulares recolhidos e separados, quem vai deixar de lado essa oportunidade? Hoje quem quiser reciclar tem de ir garimpar e separar do lixo. Se você constroi a cadeia, você consegue desenhar uma economia", finaliza.

    mara gama

    É jornalista com especialização em design, roteirista e consultora de qualidade de texto.
    Escreve às sextas.

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