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    Mara Gama

    Lixo: O copo d'água de Bill Gates e o tratamento local de esgoto

    09/01/2015 11h00

    A imagem de Bill Gates tomando um copo d'água bombou em vídeos e fotos na mídia e nas redes sociais. O fundador da Microsoft tomou água que cinco minutos antes era esgoto, resultado de um dos projetos incentivados pela Fundação Bill e Melinda Gates para a transformação de dejetos humanos em energia e água potável, o JBO (Janicki Bioenergy Omniprocessor).

    Segundo a fundação, a usina de tratamento é capaz de produzir diariamente 86 mil litros de água, com os dejetos de 100 mil pessoas, e pode ser reajustada para lugares mais populosos.

    A usina ferve os dejetos, purifica o vapor resultante e dele retira água potável. O esgoto sólido é queimado e o seu gás passa por um gerador que produz eletricidade.

    Ela é autossuficiente em energia e, além de gerar a eletricidade que necessita para operar, pode devolver para uma rede externa, pública ou privada, 250 kW diariamente. A empresa Janicki Bioenergy deve testar o Omniprocessor na cidade de Dakar, no Senegal.

    Gates se disse entusiasmado com o potencial de investimento do processador, ideal para países como a Índia, citou ele, porque transforma o esgoto em uma commodity com valor real de mercado.

    O processador é de fato promissor para regiões onde o sistema de saneamento tradicional se torna inviável, pela impossibilidade de financiar a construção de quilômetros de tubulação aterrada ou por outras dificuldades logísticas e culturais em populações já assentadas.

    O projeto se alinha com um grande programa da Fundação de Gates, que desde 2011 busca trazer soluções para os 2,5 bilhões de pessoas no mundo que não têm acesso ao saneamento. Bolsas vêm sendo dadas a pesquisadores e instituições que apresentam abordagens inovadoras para reinventar o vaso sanitário e o tratamento dos dejetos humanos.

    Já receberam investimentos desse programa de pesquisa do novo banheiro projetos de vasos sanitários movidos a energia solar, como o do Instituto de Tecnologia da Califórnia, ou o que usa tecnologia de micro-ondas para transformar dejetos humanos em eletricidade, na Holanda, ou o projeto suíço do instituto de ciência aquática e tecnologia de sanitários que reciclam urina em água para lavagem. Há também vários experimentos que transformam fezes em carvão vegetal biológico.

    A maior parte das iniciativas que merecem atenção e são incentivadas parte do princípio de atomizar o tratamento de resíduos e não juntar tudo para depois tratar. É sabido que os custos de pesquisa, projeto, construção e manutenção do esgotamento de grandes cidades são altíssimos.

    Os sistemas de saneamento descentralizados seriam mais adequados a áreas já densamente povoadas e, além do desenvolvimento de tecnologia, poderiam criar empresas verdes, viáveis, escaláveis e gerar empregos.

    A ideia de pulverizar radicalmente o tratamento de esgoto era cara ao grande arquiteto e urbanista Jorge Wilheim (1928-2014), autor de mais de vinte planos diretores de cidades e morto há quase um ano.

    Em texto em que elenca as suas "propostas para uma cidade com saúde para as pessoas, famílias e meio ambiente", publicado no primoroso "São Paulo, uma interpretação", Wilheim sugeria "conclamar cientistas e tecnólogos, em colaboração com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), para inventar um sistema alternativo de tratamento de esgoto, que interrompa a tecnologia da Cloaca Máxima da Roma antiga, e vir a testar e implantar sistemas biológicos de tratamento do esgoto no próprio imóvel em que é produzido, de modo que prescinda de redes de grandes proporções para coleta e tratamento final de resíduos".

    Pouco tem sido feito, no país, para incentivar e investir em pesquisas com banheiros secos ou de tratamento localizado. A proposta de Wilheim continua válida e atual.

    mara gama

    É jornalista com especialização em design, roteirista e consultora de qualidade de texto.
    Escreve às sextas.

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