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    Mara Gama

    Lixo: Corte no Ministério das Cidades pode atrasar fim dos lixões, diz sindicato

    26/06/2015 02h00

    O corte de R$ 17,2 bilhões no Orçamento do Ministério das Cidades neste ano pode atrasar o fim dos lixões. O Ministério tinha uma dotação de R$ 31,74 bilhões para o ano, que caiu para R$ 14,51 bilhões, o que equivale a um corte de 54% em seu limite para gastos.

    Os números foram divulgados pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que afirma que o ajuste não afetará os investimentos prioritários, mas os programas de infraestrutura, que envolvem obras de grande complexidade e prazos longos, terão os cronogramas dilatados.

    "O grande obstáculo à erradicação dos lixões é a falta de dinheiro das prefeituras, que precisariam receber aportes federais e estaduais. Se o tema já estava esquecido pelo governo, o que dizer agora, com o ajuste fiscal?", questiona o presidente do Selur (Sindicato das Empresas de Limpeza Urbana no Estado de São Paulo), Ariovaldo Caodaglio.

    O corte de verba para programas municipais de saneamento e gestão de resíduos, que incluem construções de aterros, pode significar "um agravamento da dívida do Brasil com o meio ambiente", afirma o presidente do Selur.

    Caodaglio, cientista social e biólogo, considera que entre as demandas mais importantes do governo neste momento está a execução da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que depende da erradicação dos lixões, com a instalação de adequados aterros sanitários, e da logística reversa, que estabelece responsabilidades compartilhadas na destinação de restos do consumo, como baterias, pneus, lâmpadas, eletrônicos em geral e embalagens.

    A seguir, trechos da entrevista do presidente do Selur à coluna:

    *

    Em que medida o ajuste fiscal pode afetar a implantação da PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos) no país?

    O ciclo de manejo de resíduos sólidos não possui nenhum tipo de defesa, não é uma ilha imune às consequências desse cenário. Os municípios, contratantes específicos desses serviços, já demonstram fragilidade econômica. Para a aplicação da PNRS, há necessidade de investimentos, mesmo que escalonados, e o aporte desses recursos, que tem urgência para ser feito, poderá ser postergado ou visto com cautela em face dos riscos.

    A erradicação de lixões está avançando?

    A erradicação dos lixões não tem avançado com a velocidade que seria desejável. Para essa erradicação, é necessário que 1) haja aterro sanitário para recebimento dos rejeitos e 2) a remediação do passivo ambiental representado pelos lixões deve ter um cronograma de ações, que vão desde o mapeamento dos tipos e quantidades de resíduos ali lançados, qual o comprometimento do lençol freático, e por aí vai.

    Sem o aterro sanitário, seja no município ou fora dele, o lixão fatalmente continuará ativo. À exceção de regiões específicas, como o Norte e parte do próprio Centro-Oeste, onde imperam as grandes distâncias entre as cidades, a solução está no consorciamento dos municípios, seja para a construção dos aterros, seja também pela operação deles. Com esse modelo, já previsto na PNRS, há uma significativa redução de custeio e de investimentos. Vale lembrar que, o consorciamento tem que superar barreiras políticas locais, uma estruturação do arcabouço jurídico dos municípios, a feitura dos Planos de Gerenciamento Integrado, a discussão das tecnologia, o montante de recursos necessários e, muito importante, de onde virão esses recursos. Cabe aqui ação efetiva tanto dos estados quanto da União.

    O Estado está fiscalizando a aplicação da lei?

    O Estado não pode ser visto como ente político apenas na fiscalização. Na dimensão estadual, cabe a ele capacitar técnicos que possam conduzir a feitura e o desenvolvimento dos Planos de Metas aos quais os municípios têm que atender. Uma vez demonstrado que municípios não têm os recursos necessários para isso, não será a fiscalização do estado ou mesmo do Ministério Público que irá solucionar a questão. Cabe também ao estado sua participação conjunta com seus municípios, seja na condução de ações indutoras, seja na criação de incentivos. O Estado político em sua dimensão União tem papel a desempenhar nesse esforço e dele não pode abdicar.

    Qual o principal entrave para o avanço da implantação da lei no país?

    Há alguns gargalos, alguns que demandam tempo para serem superados. Educação ambiental é um deles. Temos que adotar ações que levem os estudantes e, por decorrência os pais, a adquirirem o discernimento quanto à necessidade de se entender o ambiente como fator preponderante à vida das populações. Mudança de hábitos –como geração irresponsável de resíduos– é conseguida não com campanhas, mas com um movimento vivo e duradouro para integrar as comunidades ao ambiente em que vivem.

    Se hoje temos mais de 80% da população nacional concentrada em áreas urbanas, isso é significativo também pela concentração de demandas, com fortes impactos na qualidade de vida e na própria saúde dessas populações. Isso deve ser enfrentado com urgência. A população precisa ser informada sobre a geração exagerada de resíduos, da escassez de recursos naturais e econômicos, quais os investimentos necessários para manter uma cidade limpa. Esse protagonismo da população é absolutamente essencial para qualquer ação que se queira ver tomada. Por pagar impostos e tributos, a população considera corretamente que isso seja aplicado para solucionar e amenizar os problemas. Entretanto, até por falta de transparência ou por escolhas erradas, a dimensão política do Estado não gera informação e consequentemente conhecimento para que a população seja aliada na consecução de objetivos, como o avançar nos postulados da PNRS, ou na criação da sustentabilidade econômica da cadeia de manejo dos resíduos sólidos.

    Do ponto de vista dos municípios, o que pode ser feito?

    Não há uma solução única que possa servir a todos os municípios. Há diferenças fundamentais entre eles, seja pelo número de habitantes, pelo tipo de vocação –industrial, comercial, turística–, pela eficiência arrecadatória e demais características regionais.

    Esta complexidade não está totalmente contemplada na PNRS, o que é normal em vista desta ser um marco regulatório. Uma questão exemplifica: como fazer reciclagem nas cidades, por exemplo, do Amazonas, quando o comércio dos recicláveis não está lá presente? Claro que há soluções, mas essa complexidade referida atesta que todos os diferentes atores políticos têm que trabalhar juntos na busca dessas soluções. Não há como deixar aos municípios a conta pela implantação da PNRS. Deixá-los entregues à própria sorte, nos embates que certamente virão com o Ministério Público, não resiste à simples lógica do processo, ou mais que isso, das próprias evidências concretas da atual situação dos municípios brasileiros.

    mara gama

    É jornalista com especialização em design, roteirista e consultora de qualidade de texto.
    Escreve às sextas.

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