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    Mara Gama

    Lixo: Empresas, catadores e governo assinam acordo de embalagens

    27/11/2015 11h25

    Após quatro anos de discussões, consulta pública e ajustes, foi assinado na última quarta (25) o maior acordo setorial de logística reversa do país, o que regulamenta o fluxo das embalagens pós-consumo.

    Se for colocado em prática, deve triplicar o número de postos de entrega voluntária (PEVs) de recicláveis em pontos comerciais como lojas e supermercados em sua primeira fase e fará as empresas que produzem, usam e revendem embalagens investirem nas etapas de coleta, separação, tratamento e compra desses materiais.

    Também são previstos investimentos em estratégias de comunicação, com campanhas de conscientização sobre a necessidade de separação adequada de resíduos domésticos e a construção de um sistema estruturado de monitoramento e rastreamento de dados sobre resíduos, a ser custeado pelas empresas.

    O acordo das embalagens é peça fundamental para a regulação da reciclagem da parte seca do lixo comum, que inclui recipientes plásticos, latas de alumínio e papel. Estabelece as responsabilidades compartilhadas da indústria, comércio, prefeituras e cidadãos em relação ao fluxo de coleta e tratamento desses resíduos, com metas, cronograma e forma de avaliar o atingimento dessas metas.

    Os acordos setoriais estão previstos na lei geral sobre o tema (lei 12.305), a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS), de 2010. A partir deles, há necessidade de arranjos locais com as cooperativas, empresas e prefeituras. É dos municípios a responsabilidade da gestão da limpeza pública, coleta e destinação dos resíduos domésticos.

    O novo acordo das embalagens também formaliza a cadeia produtiva da reciclagem, com inclusão das cooperativas de catadores e investimento em capacitação profissional, compra de equipamentos e logística. Estima-se que existam hoje no Brasil cerca de 1 milhão de pessoas atuando na catação.

    São signatários do termo o Ministério do Meio Ambiente, a representação nacional dos catadores, Ancat, e mais de 20 associações de indústria e comércio. Duas associações de empresas não assinaram: as que representam os setores do vidro e do aço.

    "Dê uma olhada na sua despensa. Posso assegurar que a maior parte dos recipientes que você tem ali está dentro desse acordo", diz Victor Bicca, presidente do Cempre, Compromisso Empresarial para a Reciclagem, e um dos diretores da Coca Cola. O Cempre representa o grupo de empresas Coalizão e faz interface com o Ministério do Meio Ambiente nos assuntos relativos ao acordo.

    "Há muitas iniciativas de reciclagem no país, mas o acordo setorial dá segurança jurídica para que os empresários invistam, sabendo quais são os papéis e responsabilidades, do que serão cobrados", diz Bicca.

    "O acordo foi a convergência possível de opiniões. É um ponto de partida para o estabelecimento da cadeia de reciclagem", diz Zilda Veloso, diretora do Departamento de Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, que acompanha o tema desde 1993 e participou de todo o processo.

    Durante a consulta pública (entre maio e novembro de 2014) foram recebidas 976 contribuições ao plano inicial, transformadas em 60 recomendações de alteração.

    "A partir da assinatura, 12 capitais e suas áreas metropolitanas têm metas de recolhimento dos descartáveis e incremento das duas formas de coleta: a seletiva feita pelos municípios e a instalação dos postos de entrega voluntária (PEVs). E a indústria se compromete a comprar os recicláveis", diz Veloso.

    As 12 capitais são: Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Foram sedes da Copa de 2014.

    O acordo traz uma meta geral para 2018: "a redução de no mínimo 22% das embalagens dispostas em aterro ( ), o que corresponde ao acréscimo da taxa de recuperação da fração seca em 20%, ( ), representando no mínimo a média de 3815,081 ton/dia que deverá ser aferida mensalmente".

    Para Veloso, o engajamento das indústrias é fundamental para a mudança dos padrões. Ela cita como exemplo o que aconteceu com as embalagens perigosas, de agrotóxicos, já regulamentadas e com bons índices de reaproveitamento."Apenas 50% dos agrotóxicos usavam embalagens recicláveis na década passada. Hoje, são 92%. A indústria se conscientiza: se estou estimulando a reciclagem, tenho de produzir embalagens recicláveis".

    Bicca comemora o que considera um grande movimento de engajamento das empresas: "Em nenhum local do mundo um acordo desse porte une indústria e varejo", diz.

    Para que a reciclagem se desenvolva no país, segundo ele, faltam agora um plano industrial do governo e a desoneração de impostos para os produtos feitos com matéria reciclada.

    O acordo setorial das embalagens não foi bem recebido pelas empresas que atuam diretamente na coleta de resíduos. Para Carlos Silva, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, a Abrelpe, o acordo é "inócuo". "A abrangência é limitada e a previsão de meta de coleta e tratamento de resíduos secos é extremamente baixa", diz.

    "Retirar cerca de 3.900 toneladas por dia significa retirar apenas 1,7% do total dos resíduos domésticos". Segundo ele, não haverá impacto no país. "As mesmas empresas que no exterior trabalham com premissas mais exigentes assinaram no Brasil um documento que não vai funcionar. Me pergunto se foi feito para funcionar ou não".

    Silva considera também que as associações municipais tinham de ter participado da construção do acordo. "Em lugar nenhum do mundo esse tipo de processo funciona sem os municípios", diz.

    mara gama

    É jornalista com especialização em design, roteirista e consultora de qualidade de texto.
    Escreve às sextas.

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