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    Mara Gama

    Novo Pritzker diz que sustentabilidade é bom senso e defende design participativo

    15/01/2016 02h05

    A sustentabilidade nada mais é que o rigoroso respeito ao bom senso. É assim que o arquiteto chileno Alejandro Aravena se refere ao tema em suas aulas, apresentações e entrevistas.

    Na habitação social popular, esse bom senso resulta do uso eficiente do terreno, levando em conta as restrições de dinheiro e tempo, de forma a usar a carência de recursos e as precariedades dadas como filtros contra o supérfluo, aproveitar recursos locais, e não inovar se as soluções à mão ainda fizerem sentido.

    Aravena, 48, foi nomeado na última quarta (13) com vencedor do prêmio Pritzker, o mais alto título da arquitetura. Ex-professor da escola de design de Harvard e membro do Conselho do Programa Cidades do London School of Economics desde 2011, ele é também o curador deste ano da Bienal de Arquitetura de Veneza, o mais importante encontro e fórum de debates internacional sobre arquitetura, que acontece de maio a novembro na cidade italiana.

    Na atribuição do prêmio, Tom Pritzker disse que o trabalho de Aravena "dá oportunidade econômica aos mais necessitados, atenua os efeitos dos desastres naturais, reduz o consumo de energia, e fornece espaço público acolhedor (), mostrando que a boa arquitetura pode melhorar a vida das pessoas."

    Seu projeto mais sustentável do ponto de vista energético e que exemplifica esse bom senso é de 2013, um Centro de Inovação, em Santiago do Chile. O objetivo era conseguir um ambiente adequado para a geração de conhecimento.

    Desse ponto de partida decorreram duas diretrizes: garantir a interação face a face entre as pessoas e uma atmosfera com luz, temperatura e condição do ar corretos.

    Evitando o programa básico dos edifícios de escritórios, que têm paredes de vidro voltadas para fora e um miolo preenchido por elevadores, tubulações e escadas fechadas, o projeto cravou um átrio aberto para dentro, com espaços ao ar livre ao longo de toda a altura do edifício, que incentivam o trânsito e o convívio.

    Com a solução, foi possível um controle melhor da luz e da ventilação. Dos 120 kilowatts por metro quadrado por ano, considerado usual para o resfriamento de uma torre de vidro, o consumo foi reduzido para 40 kilowatts por metro quadrado por ano.

    Mas a projeção internacional de Aravena começou bem antes, em 2004, com um projeto que é considerado divisor de águas na economia da habitação social. O desafio recebido por seu escritório, o Elemental, era realocar 100 famílias que ocupavam uma área de meio hectare de terra no centro da cidade de Iquique, no norte do Chile.

    O governo previa um subsídio de US $ 7.500 por família, o que não era suficiente para comprar o terreno em uma área central como aquela e construir unidades de 80 metros quadrados - uma medida tida como básica para uma casa de classe média.

    Até aí nada de novo. A solução tradicional para o problema, usada por governos e construtores em vários países do mundo, seria em primeiro lugar deslocar as novas unidades para onde a terra é barata (e onde, pelo mesmo motivo, não há empregos, oportunidades, serviços e transporte) e diminuir o tamanho final das moradias, comprometendo para sempre sua valorização de mercado.

    Devido à dificuldade da questão, o Elemental decidiu incluir as famílias na discussão sobre as restrições e iniciou um processo de design participativo, com reuniões para testar soluções possíveis e sessões de desenho.

    E as discussões começaram. Se fossem feitas moradias isoladas, só 30 famílias poderiam ser acomodados. Em casas enfileiradas, caberiam 60 famílias. A única maneira de acomodar todos eles seria sobrepor as casas - construindo prédios altos. Mas a comunidade repudiou a solução. Eles não queriam apartamentos minúsculos que não pudessem ser modificados e ampliados.

    Assim, com as pessoas engajadas nas decisões, o Elemental desenhou alguns modelos de sobrados geminados com metade da metragem anteriormente considerada ideal, mas com espaços vazios entre as unidades onde deveriam ser feitas ampliações pelos próprios moradores.

    E qual seria a metade da casa correta a entregar? Aquela que os moradores não poderiam construir por eles mesmos: estrutura, cobertura, instalações hidráulicas e elétricas, cozinha, banheiro.

    O projeto da Quinta Monroy permitiu que as famílias completassem suas casas do seu jeito nas divisões internas, acabamentos, pintura, pisos e fachadas. Ao longo do tempo, com as melhorias feitas pelos moradores, o valor das casas subiu. O mesmo sistema foi implantado em 2.500 casas, em cidades chilenas e mexicanas.

    O arquiteto considera a Quinta Monroy como uma resposta possível ao desafio global do avanço da urbanização, que projeta para o ano de 2030 uma população de 5 bilhões de pessoas vivendo em cidades, sendo que dois bilhões delas abaixo da linha de pobreza.

    Com esses números, costuma dizer, vai ser preciso construir uma cidade de 1 milhão de pessoas por semana, com verba de US$ 10 mil por família, durante os próximos 15 anos. Ao que tudo indica, parece inevitável que estejamos vivendo em cidades. Será preciso reinventar o jeito de planejar, construir, morar e pensar.

    mara gama

    É jornalista com especialização em design, roteirista e consultora de qualidade de texto.
    Escreve às sextas.

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