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    Mara Gama

    Nebulização contra aedes atinge cultivo orgânico da Horta das Corujas

    08/04/2016 09h53

    No começo da semana, a Prefeitura de São Paulo realizou uma nebulização de inseticida nas vias laterais da praça das Corujas, no Sumarezinho (zona oeste de São Paulo), como parte do programa de combate ao Aedes aegypti.

    Ali são cultivados verduras, temperos e frutas orgânicos, ou seja, sem agrotóxicos. O veneno usado na nebulização, que é altamente tóxico e vetado em alguns países, ataca esse tipo de cultivo. Ele age em cerca de 30 metros a partir da emissão.

    A Horta das Corujas, em praça pública, é uma das experiências de gestão comunitária mais vivas da cidade. Nascida em junho de 2012, é fruto da mobilização de pessoas interessadas em agroecologia urbana que se reuniram por meio do grupo Hortelões Urbanos, no Facebook.

    Ela fica num espaço de 800 metros quadrados na praça Dolores Ibarruri, é mantida por voluntários e aberta à visitação, tendo apenas uma cerca baixa para barrar a entrada de cachorros. Tem apoio do Cades (Conselho Regional de Meio Ambiente Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz), da Subprefeitura de Pinheiros.

    Segundo Madalena Buzzo, que é conselheira participativa da Subprefeitura de Pinheiros, o grupo que atua na Horta das Corujas tentou deter as nebulizações nas vias laterais da praça para proteger a horta, mas não obteve êxito. "A nossa horta deixou de ser orgânica hoje e a gente não sabe quanto tempo demora para esse pesticidade sair", disse Buzzo em entrevista à coluna na última terça (5).

    SEM GARANTIA

    Os cuidadores voluntários da horta conseguiram apenas tampar as caixas de abelhas nativas que são criadas no local, o que não garante que não tenham sido contaminadas de alguma forma. Moradora do entorno, Buzzo questiona a necessidade de nebulização na área. "Se não há foco de dengue na praça, porque fazer?" Segundo Madalena Buzzo, o produto usado foi o Malathion.

    Segundo Alessandro Giangola, coordenador geral das Ações de Controle do Aedes aegypti da Coordenação de Vigilância em Saúde, são usados na nebulização piretróides e organofosforados. "Esses produtos podem causar a morte de vários seres vivos como pequenos mamíferos, aves e insetos em geral, incluindo abelhas. Por essa e por outras razões, só devem ser usados quando há casos confirmados da doença e não como método preventivo."

    Ele afirma que a nebulização visa a eliminação das fêmeas adultas do Aedes aegypti que estejam contaminadas com os vírus da dengue, zika ou chikungunya. "Só é realizada em áreas com casos confirmados dessas doenças."

    Gaiangola disse também que a prefeitura não divulga o mapa dessas nebulizações porque o processo é muito dinâmico. O programa deve durar o ano todo. Perguntei se há um planejamento para alertar visitantes desses locais, uma vez que não são só os moradores que os frequentam, e ele disse que os agentes entregam panfletos e orientam a população sobre a atividade que será realizada.

    Porém, como não há divulgação antecipada e pública desse mapa e os agentes entregam esses panfletos nas casas, só os moradores dos arredores ficam sabendo. Os demais frequentadores não foram notificados.

    A jornalista Claudia Visoni, uma das fundadoras da Horta e também integrante do Cades, questiona a eficácia da ação e alerta para o desequilíbrio que o inseticida acarreta. "A horta é um reservatório importante de biodiversidade na cidade. Depois dessa nebulização, quanto tempo vai demorar para recuperarmos isso? O inseticida mata também os predadores do aedes e os polinizadores", afirma.

    "O Malathion foi banido em vários países. No Brasil persiste seu uso. Ele é erroneamente chamado de defensivo e repelente, mas o que ataca os insetos ataca também o homem", diz Silvia Regina Brandalise, hematologista especializada em oncologia pediátrica.

    "Todos os seres vivos sofrem agressão com os esses produtos. A exposição materna a eles é ligada à ocorrência de leucemia infantil, tumores cerebrais e linfomas nas crianças.", diz Brandalise.

    "Enquanto persistirem os esgotos a céu aberto e coleta inadequada de lixo ficaremos reféns desse extermínio por infecção. Com o uso de pesticidas, há o fortalecimento dos insetos a cada geração. A solução seria combinar vacina e saneamento", afirma a médica.

    COMITÊ

    Para discutir um combate mais eficaz e menos tóxico ao Aedes na cidade, Madalena Buzzo se empenha para criar um comitê cidadão contra a dengue, com técnicos, acadêmicos e integrantes do poder público. "Já existem estudos que indicam que o uso de telas e mosquiteiros é mais eficaz que o veneno", diz. A ideia é que o comitê estude ações educativas e propostas de saneamento básico e limpeza das ruas.

    No domingo, dia 10, a Horta das Corujas terá um evento às 16h em "homenagem aos bichinhos da horta". A convocatória: "Apesar das solicitações dos voluntários da horta e moradores do entorno da praça das Corujas, foi feita uma nebulização com veneno forte na região essa semana. Com isso, as populações de abelhas, libélulas, joaninhas, borboletas e pássaros foram gravemente atingidas. Profundamente entristecidos com essa forma de cobater o Aedes aegypti que consideramos ineficiente e prejudicial inclusive à saúde humana, convidamos para um encontro de cuidados com a horta e meditação".

    A Horta fica avenida das Corujas, 39.

    mara gama

    É jornalista com especialização em design, roteirista e consultora de qualidade de texto.
    Escreve às sextas.

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