• Colunistas

    Sunday, 19-May-2024 11:11:13 -03
    Mara Gama

    Lixo zero: Merdacotta em design minimalista na Semana de Milão

    22/04/2016 02h00

    Divulgação/The Shit Evolution
    “Giga Mattone di Merda”, na mostra “The Shit Evolution” crédito: Divulgação/catálogo mostra “The Shit Evolution”
    "Giga Mattone di Merda", na mostra "The Shit Evolution"

    "Como um meteorito caído do céu, uma gigantesca peça de Tetris ou um achado arqueológico saído da terra, ele invade o espaço. Para áreas internas ou externas, é ao mesmo tempo banco, mesa baixa e escultura. Impermeabilizado e protegido contra manchas, disponível sem acabamento ou encerado, é inteiramente feito a mão. Dimensões: 1,20m x 60cm x 40cm. Peso 120 kg."

    Você leu a ficha técnica de um paralelepípedo maciço de Merdacotta, uma cerâmica feita com esterco seco de vaca, palha, resíduos agrícolas e argila. O nome da peça: "Tijolo gigante de merda" (Giga Mattone di Merda).

    Divulgação/The Shit Evolution
    legenda foto 2: Vasos de vários tamanhos feitos de Merdacotta, produzida com esterco de vacacrédito: Divulgação/catálogo mostra “The Shit Evolution”
    Vasos de vários tamanhos feitos de Merdacotta, produzida com esterco de vaca

    Bancos, mesinhas, vasos, cachepôs, lajotas para piso, telhas, bacias sanitárias e até utensílios de mesa feitos com o material foram expostos na mostra "The Shit Evolution" , na semana passada, em Milão, durante o maior evento internacional de design do mundo, o Salão do Móvel.

    A Merdacotta foi criada na fazenda sustentável Castelbosco, de 400 hectares, perto do Piacenza, no norte da Itália, onde 2.500 vacas produzem 30 mil litros de leite que são vendidos para os produtores da Grana Padano, para fazer o famoso queijo.

    Empreendendor verde, Gianantonio Locatelli já produz há tempos energia limpa a partir do esterco das vacas, em quantidade suficiente para as necessidades de eletricidade da fazenda. E vende também 2 megawatt/hora de energia derivada do biogás, sua segunda fonte de renda depois do leite.

    Também colecionador de arte, Locatelli uniu as duas coisas e decidiu fundar o Museo della Merda, que funciona desde 2015. Uma provocacão, diz ele, mas também um núcleo cultural e científico que produz ideias, mostras objetos e projetos.

    O museu serve para explicar o método de reutilização do esterco desenvolvido na fazenda, mas também para criar um espaço de pesquisa e troca de informações sobre o tema de recuperação de materiais. "Um cruzamento de engenharia ambiental, agricultura, arquitetura e arte", definiu o jornal "Corriere della Sera". Ou "um centro de pesquisa para quem tem ideias sobre como usar as excreções e para quem quer contar seu papel na história do homem", na definição de Locatelli, segundo o jornal.

    Para produzir a Merdacotta, os excrementos de vaca são processados em digestores industriais, que extraem metano e ureia, levando junto o cheiro. O metano vai para a geração de energia. O material resultante é seco e misturado com a argila para a produção dos utensílios.

    O princípio dos primeiros produtos com o selo "Museo della Merda" é o retorno ao essencial. São formas simples e limpas, produzidas em pequenas séries e feitas a mão. Foram desenhadas a partir de ideias de Locatelli e Luca Cipelletti, arquiteto e diretor criativo do museu.

    Segundo a dupla, os objetos são mais resistentes que os produtos semelhantes em terracota. O revestimento de esmalte e o cozimento em alto forno tornam as peças adequadas para contato com alimentos e bebidas, afirmam.

    Além dos utensílios, a mostra em Milão mostrou também trabalhos de arte e uma homenagem ao artista italiano Piero Manzoni (1933-1963). "Em diálogo com o artista que com o maior sucesso colocou a merda no centro do discurso sobre arte".

    Divulgação/The Shit Evolution
    Legenda foto 3: Cilindro imita a obra de Piero Manzoni “Merda d’artista”, de 1961 crédito: Divulgação/catálogo mostra “The Shit Evolution”
    Cilindro imita a obra de Piero Manzoni "Merda d'artista", de 1961

    Um cilindro imita a lata que Manzoni criou em 1961 e batizou de "Merda d'artista". O artista fez 90 dessas latas e escreveu em seus rótulos: "Conteúdo: 30 gramas. Conservada ao natural. Produzida e enlatada em maio de 1961". Na época, o preço correspondia ao de 30 gramas de ouro. Em 2006, a lata 18 foi vendida por 124 mil euros, segundo o jornal italiano "La Repubblica".

    Luca Cipelletti disse em entrevista que acredita que os designers têm a responsabilidade de usar materiais orgânicos para criar um mundo mais sustentável. "Merda é um material novo e, eu tenho que dizer, muito bonito".

    mara gama

    É jornalista com especialização em design, roteirista e consultora de qualidade de texto.
    Escreve às sextas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024