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    Mara Gama

    Novo aterro é essencial para fechar lixão de Brasília, mas não basta

    20/01/2017 10h24

    Foi inaugurada no último dia 17 a primeira parte do Aterro Sanitário de Brasília, na região de Samambaia. Foram pelo menos seis anos de obras para entregar uma área com capacidade de receber 900 toneladas por dia. Quando estiver operando totalmente, poderá receber 2.700 toneladas. O governo do DF não divulgou, porém, um cronograma para as próximas etapas. O custo é estimado em R$ 110 milhões.

    A existência do novo aterro é essencial para o fechamento do maior lixão da América Latina e um dos 50 maiores do mundo, cravado na capital do Brasil: o Lixão da Estrutural. Mas não basta. Num roteiro extremamente complexo, é um começo.

    O Lixão da Estrutural ainda deve durar pelo menos um ano e meio –oficialmente– recebendo os restos de Brasília, permitindo o trabalho insalubre dos catadores e de suas famílias, poluindo o ambiente, causando doenças e insegurança para a população que mora nas redondezas e no trajeto dos caminhões de lixo. E também movimentando o comércio da região.

    Dênio Simões/Agência Brasília
    Aterro Sanitário de Brasília, na região de Samambaia
    Aterro Sanitário de Brasília, na região de Samambaia

    Desde 2005 não se cumpre a determinação para seu fechamento. Em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS ) definiu o fechamento de todos os lixões do país até 2014. Em 2015, o Senado aprovou prorrogação desse prazo até julho de 2018 para capitais e municípios mais populosos.

    O Aterro de Brasília será o primeiro no país a ter uma área destinada apenas a rejeitos, o nome dado ao resto do resto, o que sobra depois que todas as parcelas recicláveis foram retiradas dos resíduos. Se o aterro for usado adequadamente, tem capacidade de uso de 13 anos.

    Para que o Lixão da Estrutural seja fechado, é necessário que estejam funcionado os centros de triagem de material reciclável, cujas obras estão ainda em licitação. O governo do Distrito Federal promete que estarão prontos no ano que vem. A data prometida coincide exatamente com o prazo legal de fechamento de todos os lixões de capitais. Como não poderia divulgar prazo maior, não dá para saber se vai cumprir o declarado.

    Além do destino dos recicláveis, o lixo orgânico também deveria ter uma rota própria de aproveitamento e, sobre esse tema, não há nada de substancial anunciado. Os resíduos da construção civil, estimados em 3.000 toneladas diárias vindas apenas dos domicílios, também não teriam ainda uma destinação acertada, segundo informações da Empresa de Limpeza Urbana do DF publicadas pelo "Jornal de Brasília".

    Em entrevista ao G1, o representante do Movimento Nacional de Catadores, Roney Alves, criticou a inauguração do aterro antes da abertura dos galpões de reciclagem. A ordem dos fatores e o delay entre as duas etapas deixarão os catadores sem trabalho.

    Apenas alguns deles vão contar com um auxílio do programa Agentes de Cidadania Ambiental, que ofereceu 900 vagas por 12 meses com ajuda de R$ 300 e um curso sobre coleta seletiva como parte da política de desativação do Lixão.

    No último dia 13, catadores fizeram passeata partindo da Estrutural até o Palácio Buriti, do governo do DF, para protestar contra o fechamento da lixão sem a inclusão social dos mais de 2 mil catadores que sobrevivem da coleta no local.

    Segundo eles, como o programa de coleta seletiva não foi implantado efetivamente, não é possível que os resíduos que vão para o novo aterro sejam de fato apenas rejeitos. Preocupante, no mínimo. Eles propuseram que a área do Lixão da Estrutural se transforme em área de transbordo para triagem.

    O caso de Brasília dá uma ideia da complexidade do tema no Brasil. Não há sequer um número atualizado e preciso de lixões em operação no país. Existem levantamentos baseados em dados das prefeituras sobre o uso de lixões como destinação final pelos seus municípios. Com o desinvestimento federal em institutos de pesquisa e censos, não há sinal de melhoria de qualidade de informação no curto prazo.

    Como parte da campanha mundial para o fechamento dos 50 maiores lixões do planeta, a Associação Internacional de Resíduos Sólidos (ISWA, da sigla em inglês), comemora o passo dado em direção ao fechamento do Lixão da Estrutural, que figura em sua lista.

    A ISWA e a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza (Abrelpe) estão em campanha para fechar cinco lixões brasileiros nos próximos cinco anos. São eles o da Estrutural, em Brasília, o de Camacan, na Bahia, de Carpina, em Pernambuco, de Jaú, São Paulo, e de Divinópolis, em Minas Gerais.

    O projeto prevê numa primeira etapa um diagnóstico das cinco unidades, para verificar volume real de resíduos depositados, passivo acumulado, desafios sociais específicos, existência ou não de coleta seletiva e de área para construção de aterro. Como segunda etapa, dimensionar recursos técnicos e financeiros e, como terceira etapa, auxílio aos municípios para a construção de planos de transição.

    Segundo Carlos Silva Filho, presidente da Abrelpe, a ISWA destinará 200 mil euros para o projeto. "Vamos a campo pesquisar nos próximos meses de março e abril", diz.

    De acordo com levantamento da associação, o fechamento dos lixões favoreceria a inclusão social e o aumento da renda de 30 mil a 50 mil famílias, a melhoria da saúde direta de 76 milhões de pessoas, a redução de emissões equivalentes à retirada de 7 milhões de automóveis das ruas e uma receita adicional de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões por ano com o reaproveitamento dos recicláveis desperdiçados.

    "Fechar lixão não é um ato isolado e nem traz resultados imediatos. É um processo que só é possível quando há rotas alternativas, metas e prazos. Não é só uma solução ambiental e de saúde", afirma Silva.

    mara gama

    É jornalista com especialização em design, roteirista e consultora de qualidade de texto.
    Escreve às sextas.

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