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    Mara Gama

    Grupo de consumidores entrega garrafas usadas para produtores

    04/08/2017 02h00

    Na manhã da quinta-feira, 3 de agosto, Carolina Tarrio, Thais Mauad e Nina Furukawa partiram para a ação. Elas foram até uma fábrica de leite entregar 365 garrafas de plástico vazias. Era a quantidade equivalente a um ano de consumo diário da casa de Carolina, que mora com o marido e com dois filhos. Juntos, os recipientes formaram dois sacos com cerca de 1 metro cúbico cada um.

    Entregaram também uma carta, assinada por 157 compradores da marca. "Somos um grupo de consumidores satisfeitos com o produto de vocês: o leite da fazenda Bela Vista. Estamos, porém, profundamente infelizes e insatisfeitos com o tipo de embalagem utilizada para entregá-lo: garrafas plásticas", diz a carta.

    "Quando se busca preservar o planeta, consumir de modo consciente e seguir a legislação () vemos que a empresa deixa muito a desejar." E prossegue: "por mais que as garrafas sejam recicláveis, por mais que se tente utilizá-las para outros fins, trata-se de um impacto ambiental fenomenal, que deve ser endereçado pela empresa de modo responsável e urgentemente".

    Carolina diz que vinha pensando em uma ação do tipo desde o ano passado, cansada de respostas evasivas que recebeu da empresa. "Desde o ano 2007, alertamos, falando com o SAC e mandando e-mails pedindo embalagens retornáveis, ou que eles criem um ponto de coleta e se ocupem de reciclar o que colocam no mercado. Em vão. Achamos que está na hora de mudar", conta ela.

    "O Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) diz que empresas, poder público e cidadãos devem ser solidários no que diz respeito à reciclagem. Estamos tentando fazer a nossa parte: coleta e pressão", completa.

    No ato da entrega das garrafas vazias, o grupo forneceu à empresa cópias dos e-mails enviados e das respostas recebidas, como um dossiê, e se colocou à disposição para conversar sobre soluções. Foram recebidos por um gerente administrativo da empresa, que prometeu responder.

    O grupo de consumidores está pondo à prova com seu ato simples e transparente duas diretrizes que a regulamentação brasileira, de 2010, já prevê. Um deles é a responsabilidade compartilhada da reciclagem, que inclui todos os integrantes da cadeia: consumidor, vendedor, fabricante e poder público. O outro, a logística reversa, que deveria ser estudada, planejada e implementada pelo produtor. Vamos ver como se desenrola a história.

    Procurado para comentar a iniciativa e dizer o que a empresa fará, o diretor comercial da Fazenda Bela Vista, Paulo Pasarini, disse que achou a atitude dos consumidores "muito positiva". "Nós fazemos nossa parte", completou. Quando perguntado qual seria essa parte, não quis detalhar. Indicou que a resposta estaria com o Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados no Estado de São Paulo, o Sindileite.

    Carlos Humberto Mendes de Carvalho, presidente do Sindileite, disse que o problema das embalagens vem sendo estudado pelo setor. Relatou que um grupo de sindicatos está propondo para a Secretaria do Meio Ambiente do Estado projetos para testar a cadeia de reciclagem em cidades como Jundiaí e Sorocaba e, depois disso, estudar uma proposta para São Paulo. "Não adianta a indústria fazer a coleta. Para onde vamos enviar?", perguntou.

    Segundo ele, a variedade de embalagens de cada indústria impõe um estudo de alternativas. E não deu tempo de estudar ainda, perguntei, lembrando a ele que a PNRS acaba de completar sete anos. "O que posso dizer é que está em andamento", disse.

    FORA DO ACORDO SETORIAL DE EMBALAGENS

    Em fevereiro de 2017, o acordo setorial das embalagens completou um ano. Do que se trata? É o maior acordo de logística reversa do país, que regula a reciclagem de recipientes plásticos, de papel e latas de alumínio e estabelece as responsabilidades em relação à coleta e ao tratamento dos resíduos. Os acordos setoriais estão previstos na PNRS.

    O conteúdo do acordo foi proposto e assinado por 22 entidades que congregam associações de indústrias de vários tipos, em um grupo denominado Coalizão. Além de ordenar as bases de trabalho, ele tem metas. A meta da fase atual é reduzir em 22% a quantidade de embalagens pós-consumo destinadas a aterros até o fim de 2017, o que implica reciclar todo esse volume desviado. Para que isso seja viabilizado, o acordo prevê apoio a cooperativas de reciclagem e instalação de pontos de entrega voluntária (PEVs) que recebam as embalagens depois de usadas.

    O Sindileite, que é o sindicato que representa e fábrica de leite que recebeu as garrafas do grupo de Carolina, não assinou este acordo.

    Victor Bicca, presidente do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre), um dos grupos signatários do acordo, afirma que as empresas já engajadas estão pedindo ao Ministério do Meio Ambiente que enquadre os que estão fora. Isso viria na forma de um decreto, para impor as mesmas responsabilidades e metas a todas as empresas que usam embalagens.

    "Não é justo que o consumidor não possa descartar corretamente. Esse grupo fez o que é certo. A indústria deveria ter um planejamento para receber as embalagens". As indústrias signatárias do acordo, segundo ele, têm como norma informar aos consumidores como e onde descartar, apontando cooperativas ou PEVs adequados.

    mara gama

    É jornalista com especialização em design, roteirista e consultora de qualidade de texto.
    Escreve às sextas.

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