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    Marcelo Freixo

    Fofoca

    01/12/2015 02h00

    A palavra "fofoca" é de origem africana, mais precisamente da região entre Angola e Congo. Ela deriva do termo "fuka", que no dialeto quimbundo, dos povos bantos, quer dizer revolver, remexer. É difícil explicar como o tempo, a língua portuguesa e os mexericos brasílicos transformaram fuka em fofoca, mas, por obra do absurdo, seu significado original foi retomado em pleno Rio de Janeiro do século 21.

    Fuka: revolver. Aí peço não licença, mas licenciosidade etimológica aos bantos para requentar o verbo em nosso caldo linguístico. Revolver o estômago. Esta foi a sensação provocada pelas declarações do governador Luiz Fernando Pezão, que classificou como fofocas de opositores as agressões praticadas, denunciadas e confessadas pelo secretário-executivo de coordenação de governo da prefeitura e pré-candidato a prefeito do Rio, Pedro Paulo Carvalho, contra a sua ex-mulher, Alexandra Marcondes.

    Para piorar, Pezão avisou que iria "para o pau" contra a maledicência dos fofoqueiros que acreditam que espancar mulher é crime grave. Ver uma autoridade pública defender de forma cínica o descumprimento da lei para beneficiar um aliado é repugnante. Fuka: revolve nossos estômagos, remexe nossa indignação.

    O que falar das declarações de Pezão num país em que cinco mulheres são espancadas a cada dois minutos, segundo a Pesquisa Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado, da Fundação Perseu Abramo e Sesc, publicada em 2010? Em 80% dos casos, de acordo com o mesmo levantamento, os agressores são os parceiros.

    O governador não foi a única autoridade pública a minimizar o crime cometido por Pedro Paulo. Eduardo Paes afirmou diversas vezes que se trata é um problema de caráter familiar, da vida doméstica do casal. O prefeito é daqueles que acreditam que, em briga de marido e mulher, não se mete a colher.

    Em vez de reafirmar a violência do senso comum, Paes e Pezão deveriam ler o relatório Mapa da Violência 2012, produzido pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-americanos e pela Faculdade Latino-americana de Ciência Sociais. Segundo a pesquisa, 71,8% dos casos registrados ocorreram no ambiente doméstico. Além disso, 41% das mulheres mortas em 2012 foram assassinadas em suas casas.

    Entre 1980 e 2010, mais de 92 mil mulheres foram vítimas de homicídio. A cada duas horas uma mulher é morta de forma violenta no Brasil. Nosso país ocupa o sétimo lugar no ranking de assassinatos femininos, num universo de 84 nações pesquisadas. Estamos na frente do Iraque.

    Isso não é fofoca. É uma tragédia naturalizada por uma cultura patriarcal violenta e autoritária que viola a dignidade e a vida de milhares de mulheres todos os dias.

    Marcelo Freixo

    Escreveu até julho de 2016

    É professor de história e deputado estadual do Rio. Presidiu as CPIs das Milícias, em 2008, e do Tráfico de Armas e Munições, em 2011. Foi candidato a prefeito do Rio em 2012.

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