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    Marcelo Freixo

    Dinheiro no banco

    05/01/2016 02h00

    Em recente entrevista à "Veja", o prefeito Eduardo Paes disse que eu sou apenas "um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco, esse papo meio Beto Guedes".

    Paes sacou a arma no "saloon": sua contumaz arrogância. Mas, antes de comentá-la, preciso fazer uma correção importante. A música a que o prefeito se referiu não é de Beto Guedes, mas de Belchior.

    Se conhecesse melhor o cantor cearense, descobriria que ele tem outra canção que diz assim: "É você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem". Mas algo me diz que Paes não sairá cantarolando tal coisa por aí.

    Dito isso, volto ao "saloon" e peço que o prefeito ouça um conselho desse rapaz latino-americano. Espero que não fique emburrado. Afinal, como escreveu Belchior, sons, palavras são navalhas e eu não posso cantar como convém, sem querer ferir ninguém.

    A arrogância é uma arma traiçoeira, arapuca balística. Ao sacá-la, o sujeito corre o risco de disparar cinismos. Por isso, cuidado, meu bem, há perigo na esquina...

    Eis que, mais uma vez, a soberba de Paes mal disfarça o cinismo. Rodrigo Bethlem, que foi seu braço direito e comandou três importantes secretarias em sua gestão, é acusado de ter contas ilegais com R$ 2,1 milhões na Suíça. Dinheiro desviado de esquemas montados por ele na prefeitura.

    Bethlem, rapaz latino-americano cheio de dinheiro na Suíça, era cotado inclusive para disputar a sucessão municipal, mas caiu em desgraça e foi substituído por Pedro Paulo, que mentiu e depois admitiu ter espancado a ex-mulher.

    Na mesma entrevista, Paes defende com devoção o pupilo. Diante da gravidade da violência cotidiana contra as mulheres, o prefeito, de forma machista, trata os crimes cometidos pelo amigo como um pequeno problema da vida privada do casal. E a arrogância se fez cinismo.

    O que Paes tem a dizer sobre Eduardo Cunha, a quem costuma chamar de primeiro-ministro? Não sei se continua prestando tal reverência após a descoberta de que seu aliado também tem contas na Suíça.

    O fato de o prefeito, dois anos mais novo do que eu, me tratar por rapaz mostra como ele está alinhado às velhas formas de fazer política, segundo as quais quem é jovem e não tem dinheiro não serve para ocupar cargos públicos. Bom mesmo é manter as tradicionais negociatas de um sistema carcomido do qual se beneficia. Melhor ter contas na Suíça do que ideais.

    Paes, agradeço pela crítica. Saiba que o novo virá dos rapazes e moças latino-americanas de quem você debocha. Beto Guedes nos inspira, sim, e com ele estamos pisando o pedal do sonho. Como cantou o poeta: um mais um é sempre mais que dois. E somos mais do que vocês imaginam.

    Marcelo Freixo

    Escreveu até julho de 2016

    É professor de história e deputado estadual do Rio. Presidiu as CPIs das Milícias, em 2008, e do Tráfico de Armas e Munições, em 2011. Foi candidato a prefeito do Rio em 2012.

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