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    Marcelo Freixo

    Zika e saneamento

    23/02/2016 02h00

    Ninguém levou o médico sanitarista Oswaldo Cruz a sério quando ele propôs um novo método para enfrentar a epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro no início do século 20.

    A maioria dos médicos acreditava que a doença se alastrava por meio do contato direto entre doentes: sangue, suor e até roupas. Mas Oswaldo Cruz defendia que a moléstia era transmitida por um mosquito.

    Em vez dos tradicionais procedimentos de desinfecção, o médico, nomeado diretor geral de saúde pública, cargo equivalente a ministro da Saúde, montou brigadas para percorrer casas, jardins, praças, e terrenos baldios para eliminar os focos do mosquito: a água parada.

    Em 1906, quando a febre amarela começou a ser controlada, Oswaldo Cruz passou de chacota a herói nacional. O método desenvolvido por ele só tem um problema: continua a ser aplicado em pleno século 21 para combater a dengue e zika. O cenário mudou, mas nossa mentalidade continua no século passado.

    As cidades brasileiras são mais complexas, cresceram muito e de forma desordenada. A infraestrutura urbana não acompanhou o desenvolvimento populacional, o que levou à profunda precarização da vida citadina. Nesse contexto, focar no varejo do combate individual de focos do mosquito é uma estratégia esgotada. É óbvio que a população precisa fazer sua parte. Mas precisamos lembrar que a precariedade da vida em nossas cidades provocam enormes dificuldades no cotidiano dos trabalhadores.

    Muitos levam três horas para chegar em casa do trabalho e ainda precisam cuidar de seus quintais e vasos de planta. Não é justo e eficaz que a cobrança recaia sobre eles.

    Precisamos universalizar o acesso à água, o tratamento adequado dos esgotos e a coleta do lixo. A resposta para a zika e para tantas outras doenças provocadas pelas péssimas condições sanitárias do país é saneamento básico.

    Cerca de 35 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada. O descaso dos governos obriga essas famílias a garantir o próprio abastecimento através de reservatórios improvisados, que são focos potenciais do mosquito. Segundo o Ministério da Saúde, só no Nordeste, em 2015, 82% dos depósitos das larvas foram encontrados nesses reservatórios.

    Diante da descoberta de que as larvas podem sobreviver em água suja, a informação de que só 48,6% da população tem acesso à rede de esgoto é trágica. O mesmo vale para a coleta de lixo, onde objetos como garrafas e latas acumulam água. Trocando em miúdos, quem está precisando se conscientizar são os responsáveis pelas políticas públicas em todas as esferas de governo.

    Precisamos de menos marketing e mais saúde pública e saneamento básico.

    Marcelo Freixo

    Escreveu até julho de 2016

    É professor de história e deputado estadual do Rio. Presidiu as CPIs das Milícias, em 2008, e do Tráfico de Armas e Munições, em 2011. Foi candidato a prefeito do Rio em 2012.

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