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    Marcelo Freixo

    Vísceras do Brasil

    19/04/2016 02h00

    Pela nação evangélica. Pelos fundamentos do cristianismo. Pelos maçons do Brasil. Pelos militares de 64. Pelos princípios que ensinei à minha filha. Pelo meu neto Gabriel. Pela minha esposa Mariana. Em homenagem ao meu pai Roberto Jefferson. Por Carlos Alberto Brilhante Ustra, o terror de Dilma. Para nenhum governo se levantar contra o povo de Israel.

    A sessão que autorizou anteontem na Câmara o prosseguimento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff pareceu a encenação de uma farsa burlesco-religiosa que escancarou as vísceras do Parlamento e expôs a mediocridade humana dos nossos deputados.

    Eduardo Cunha, estrela do gangsterismo político, no papel principal de profeta da moralidade. Obreiros da chantagem estrebuchando bênçãos e misericórdias ao microfone. Vendilhões do templo condenando cinicamente a corrupção. E os Judas Iscariotes da democracia distribuindo seus beijos àqueles que aplaudem o engodo.

    Muitas barbaridades foram cometidas em nome da moral religiosa. A consagração, como ocorreu na Câmara, da trindade Deus, pátria e família justificou tragédias, como a que estreou em 1º de abril de 1964 e durou penosos 25 anos. Ontem e hoje, não foram poucas as referências aos militares e os delírios sobre a ameaça comunista.

    Se um Congresso corrupto e comandado por um gangster pode se aproveitar da fragilidade de um governo para derrubar, através da chantagem, uma presidente democraticamente eleita e que não cometeu crime de responsabilidade, o mesmo pode acontecer em qualquer casa legislativa do país. É o parlamentarismo de extorsão.

    O mais desesperador é assistir ao êxtase coletivo de milhões de pessoas diante da vitória de Cunha e de gente que exalta torturadores da ditadura militar em pleno Congresso Nacional. O que há para comemorar? O futuro governo de Temer e Cunha? Exatamente o PMDB, que faliu o Rio de Janeiro e não paga aposentados, é o símbolo do atraso.

    O analfabetismo político é socialmente produzido e alimentado pela própria elite política em seu benefício. A despolitização é uma estratégia de poder. Ela é a essência da crise.

    O impeachment foi apenas o aperitivo de um banquete desolador que está sendo preparado nos porões do Legislativo. Muito mais do que a absolvição dos pecados do capo-mor, que dificilmente será cassado, temos pela frente uma agenda política tenebrosa, que inclui o projeto escola sem partido, a flexibilização das leis trabalhistas e o ataque aos direitos das minorias.

    Cunha bem sabia do que estava falando quando, ao anunciar seu voto favorável ao processo de impeachment, pediu que "Deus tenha misericórdia desta nação".

    Marcelo Freixo

    Escreveu até julho de 2016

    É professor de história e deputado estadual do Rio. Presidiu as CPIs das Milícias, em 2008, e do Tráfico de Armas e Munições, em 2011. Foi candidato a prefeito do Rio em 2012.

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