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    Marcelo Freixo

    Espírito geraldino

    28/06/2016 02h00

    O Maracanã já foi símbolo do encontro das contradições do Rio de Janeiro. Quando de sua construção para a Copa de 1950, houve intensos debates que transcenderam a engenharia de um estádio monumental. Não era apenas sobre areia, concreto, ferro, vergalhões, nem mesmo sobre futebol somente. O Maracanã era a expressão de uma cidade.

    A grande preocupação foi sobre o local onde o estádio seria instalado. O então deputado federal Carlos Lacerda queria erguê-lo em Jacarepaguá. Venceu o argumento do jornalista Mário Filho. O Maracanã deveria ser construído numa região central, de fácil acesso, com arquibancadas, cadeiras, cadeiras especiais e, o mais importante, a geral.

    Há quem diga que a geral era a alma do Maracanã. Prefiro vê-la como coração: potência, sangue, vida. Ali pulsava o Rio. Mais do que assistir, os geraldinos sentiam e davam sentido ao jogo. Faziam a festa, aconselhavam o técnico à beira do gramado, orientavam o time a cada contra-ataque. Futebol em transe eternizado pelo documentário "Geraldinos", dirigido por Pedro Asbeg e Renato Martins.

    Esse Maracanã já não existe. E o panteão dos encantados geraldinos ficou na mitologia futebolística. O estádio, que nasceu do desejo de convivência de uma cidade mesmo ante suas contradições e limites, morreu como seu antirreflexo, negação de sua essência e singularidade. O estádio foi transformado em estúdio, arena com ar de shopping center, sem coração, idêntica a qualquer outra.

    A agonia do Maracanã espelha uma concepção antidemocrática e globalizante de cidade, personificada pelo PMDB do Rio. Não só pelo afastamento dos mais pobres, mas pela forma como as mudanças foram realizadas.

    Dessa vez, as reformas não foram debatidas. O global sufocou o singular. O estudo de viabilidade da privatização, produzido pela IMX de Eike Batista, não deixou dúvidas sobre as intenções: encarecer os ingressos e mudar o perfil do público. Assim como a cidade, o Maracanã é de quem pagar mais por ele.

    Orçadas em R$ 705 milhões, as obras consumiram R$ 1,2 bilhão, sendo que 5% deste valor teria sido embolsado como propina pelo ex-governador Sérgio Cabral, segundo afirmaram executivos da Odebrecht e da Andrade Gutierrez à Lava Jato. A reforma nos banheiros foi realizada pela empresa de familiares de Altair Pinto, ligado a Eduardo Cunha e apontado como receptor de propina em seu nome.

    Acreditar no Maracanã é acreditar no Brasil, dizia Mário Filho. Vou além, contar a história do Maraca é contar a história do Rio. Se ambos vergaram com o peso do concreto armado, juntos se reerguerão evocando a eterna leveza do espírito geraldino. Venceremos.

    Marcelo Freixo

    Escreveu até julho de 2016

    É professor de história e deputado estadual do Rio. Presidiu as CPIs das Milícias, em 2008, e do Tráfico de Armas e Munições, em 2011. Foi candidato a prefeito do Rio em 2012.

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