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    Marcelo Freixo

    Maria e o PMDB

    12/07/2016 02h00

    Vamos chamar a nossa personagem de Maria. Mulher negra de 50 e poucos anos, ela vive com os quatro filhos numa favela da cidade de Gaborone, capital da Botsuana, no sul da África.

    A luta pela sobrevivência se repete todos os dias. Maria levanta cedinho, com os primeiros raios de Sol, come alguma coisa e caminha um bocado até o ponto de ônibus.

    Dali, em menos de meia hora, a depender do trânsito, ela chegará à cidade de Oslo, capital da Noruega, no norte da Europa, onde trabalha como faxineira.

    Sim, em menos de meia hora Maria realizará uma viagem intercontinental entre a extrema pobreza africana e a opulência europeia. Como isso é possível? Pegando a linha 538, que liga a Rocinha ao bairro da Gávea, na zona sul.

    Se levarmos em conta o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) desses locais, o Rio de Janeiro tem dentro de si uma Botsuana e uma Noruega separadas por cerca de cinco quilômetros de desigualdades.

    Se compararmos a expectativa de vida dos vizinhos de Maria com a de sua patroa, a diferença é de uma década: 72 anos na Rocinha e 82 na Gávea. Em Acari, na zona norte, a expectativa é de 69 anos.

    E há quem diga que este Rio de Janeiro tão segregado, gerido há mais de dez anos pelo PMDB, é moderno e eficiente. Não é. Modernidade e PMDB são ideias que não se misturam.

    As unidades de saúde do Rio, das quais Maria depende, são administradas por organizações sociais, entidades privadas envolvidas em denúncias de corrupção. Apesar disso, o prefeito Eduardo Paes quer derrubar a lei que as obriga a publicar informações administrativas na internet.

    O mesmo ocorre com as empresas de ônibus, que levam nossa personagem de Botsuana à Noruega carioca todos os dias. Os dados financeiros dos consórcios, que servem para calcular a tarifa, são desconhecidos pela população e pelo poder público. Uma cidade sem transparência e cheia de caixas pretas não é moderna. É atrasada.

    Os investimentos privados são muito importantes, mas, como ocorre em qualquer cidade verdadeiramente desenvolvida, eles não podem estar submetidos a uma lógica que beneficia um pequeno grupo de empresas e políticos em detrimento do interesse da maioria.

    Essa relação promíscua faz com que o Rio seja um lugar caro de se viver. Entre 2008 e 2016, os preços dos aluguéis na capital carioca subiram 252%. No Brasil, o aumento foi de 89%. Privilegiar a especulação não é moderno. É atrasado.

    Tão atrasado quanto o prefeito de uma cidade de tantas Marias batalhadoras dizer que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher. Vamos avisar a ele que violência de gênero é crime e coisa de homens que ficarão no passado.

    Marcelo Freixo

    Escreveu até julho de 2016

    É professor de história e deputado estadual do Rio. Presidiu as CPIs das Milícias, em 2008, e do Tráfico de Armas e Munições, em 2011. Foi candidato a prefeito do Rio em 2012.

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