• Colunistas

    Thursday, 02-May-2024 21:42:55 -03
    [an error occurred while processing this directive]
    Marcelo Coelho

    Painel do eleitor: 'Dilma é mais do lado do pobre'

    20/10/2014 02h00

    Talvez os endereços mais poéticos de São Paulo estejam na Cidade A.E. Carvalho, bairro de Itaquera, zona leste de São Paulo. Rua Olhos Mansos, rua Verão do Cometa, rua Sempre Brilhará, rua Coração de Mel.

    O carteiro André Alves Mendonça, 37, nasceu no bairro de Sapopemba, mas mora em A.E. Carvalho desde que se separou, há menos de um ano. A namorada mora na mesma rua.

    A casa de André tem espaço para guardar dois carros na frente, mas ele prefere continuar sem automóvel, reservando o dinheiro para pagar a faculdade. Ele acaba de se matricular na licenciatura em história, na Uninove.

    Era a matéria de que ele mais gostava na escola. André tem carteirinha na biblioteca municipal de Itaquera desde pequeno, e seu gênero preferido são as biografias de personagens históricos. Os pais, evangélicos de conduta estrita, não tinham televisão em casa quando André era criança; ele se distraía lendo livros de Tarzã e histórias de Asterix.

    Na sexta-feira (17), sua TV a cabo estava exibindo "Madagascar", em alta definição. Os dois filhos de André, de 12 e 9 anos, passavam o dia com ele, "e a programação da TV aberta não tem condições".

    André não gosta de assistir a debates nem ao horário gratuito: prefere não se deixar influenciar pela propaganda, uma vez que seu voto já está decidido.

    No primeiro turno, ele votou em Marina Silva (PSB) para presidente e em Paulo Maluf (PP) para deputado federal, porque o ex-governador "não tem dó de bandido". Um parente de André participou da invasão do Carandiru, em 1992, da qual resultaram 111 mortos. Ele acha que foram mais.

    A questão da segurança está muito presente em sua profissão. Desde que começou a trabalhar nos Correios, em 2005, André sofreu "quinze assaltos ou mais" quando ia entregar encomendas em favelas.

    Há lugares em que é preciso escolta para deixar televisões e outros eletrodomésticos no endereço do comprador. A não ser que haja muita venda de drogas. Nesse caso, os traficantes até ajudam o carteiro, não querendo que assaltos atraiam a polícia para perto.

    André já votou no coronel Ubiratan Guimarães (líder da operação no Carandiru), e ia votar no Coronel Telhada (PSDB), antes de se decidir por Maluf. Para deputado estadual, votou no promotor Fernando Capez (PSDB).
    Nos cargos para o Legislativo, ele acha desimportante a filiação partidária do candidato. Votou em Marina para presidente por reconhecer nela a herança do "velho PT, guerreiro".

    Apesar de continuar evangélico, André anda meio afastado da igreja. Incomoda-se quando percebe muita pressão pelo pagamento do dízimo, e cita as raízes bíblicas desse costume. "Os sacerdotes eram proibidos de ter terras ou gado", diz ele.

    Nessa e em outras questões, André considera que não há como interpretar a Bíblia em sentido literal, seguindo tradições de uma sociedade formada há cinco mil anos.

    História será sua primeira faculdade. "Tudo ficou mais fácil agora", diz André, citando o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), do governo federal. Conta que quem consegue o financiamento depois de já ter pago as primeiras mensalidades recebe o dinheiro de volta.

    "Só vai pagar o empréstimo um ano e seis meses depois de formado", acrescenta André, lembrando que a dívida também pode ser abatida em serviços —dando aulas, por exemplo, na rede pública.

    Ele ganha cerca de R$ 1.200 nos Correios, mas os benefícios extras, como vale-refeição e convênio médico, são vantajosos. A inflação fez com que diminuísse o volume do que ele pode pegar no supermercado com os tíquetes. Não é pelo salário, de todo modo, que ele se prepara para mudar de profissão. Seu sonho sempre foi ser professor de história.

    Comparando os anos Fernando Henrique com os de governo petista, André acha que o Brasil está melhor. "Dilma é mais para o lado do pobre", diz, "enquanto o PSDB ajuda mais os empresários e os banqueiros".

    Corrupção há em todos os partidos, diz André. "Olha agora esse caso do Aécio". Ele mostra um exemplar do jornal "Brasil de Fato", que recebeu na faculdade. Um título da publicação menciona o caso, já utilizado por Dilma em debates, das verbas para educação no governo de Minas, inferiores ao ideal de 12% do orçamento. "Desviou 3,5 bilhões!" aponta André.

    Ele, que já votou em Padilha para governador, fica com Dilma no segundo turno.

    marcelo coelho

    É membro do Conselho Editorial da Folha. É autor de romances e de coletâneas de ensaios. Comenta assuntos variados. Escreve às quartas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024