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    Marcelo Coelho

    Notícias da Jacu-Pêssego

    22/10/2014 02h00

    Não há campanha eleitoral sem promessas, e minha impressão é que os próprios eleitores mais ou menos sabem que aquilo não será nem cumprido, nem cobrado, nem lembrado dali a um mês e pouco.

    De resto, tudo é de um tecnocratismo, de uma numerologia insuportável. Os debates poderiam, talvez, fazer sentido num clube de engenheiros. Mas os R$ 32 milhões (ou serão R$ 13,2?) de gastos no Pisep-Fanuc que Fulano diz que faltam e Beltrana diz que foram mais me deixam em estado de completa indiferença.

    Por vezes, nem é preciso usar números para que a promessa tenha a marca da chatice. Um exemplo. Durante 15 ou 20 anos de disputas municipais e estaduais, cansei de ouvir referências às obras da avenida Jacu-Pêssego, na zona leste de São Paulo.

    O local primeiro apareceu, se bem me lembro, no sotaque característico de Paulo Maluf. Depois, seus concorrentes mantiveram o foco no local, e para mim aquele nome terminava soando como uma citação do "malufês".

    Algo parecido, digamos, com o bordão romano ou o ilustre jurisconsulto que algum ministro do STF inclui nos seus votos: Mirabete, Damásio, bis in idem, Jacu-Pêssego. Não nego que a obra possa ser importante. Certamente era enorme, pois ao longo de muitas campanhas se prometia a sua conclusão.

    Até que, na sexta-feira passada, conheci finalmente a famosa Jacu-Pêssego, ou parte dela. É um avenidão bastante vazio, pelo menos na hora em que passei por lá.

    Estava voltando de Itaquera, depois de fazer mais uma das entrevistas que vão compondo o "Painel do Eleitor", publicado no caderno especial sobre as eleições.

    Integrante assumido da "esquerda caviar", nunca levei minhas preferências ideológicas ao ponto de me afastar do eixo Higienópolis-Jardins. Até para vencer meus próprios preconceitos –e, sobretudo, minha timidez–, propus ao jornal uma série de reportagens em que eleitores "comuns", selecionados pelo Datafolha, dariam os motivos de seu voto.

    Meu maior medo –alimentado por muitos quilômetros rodados de conversa com motoristas de táxi– era me confrontar com extremos de confusão e bobajada radical, quanto mais fundo na periferia eu me metesse. Não vi nada disso.

    Aprendi que o voto para deputado estadual e federal segue uma lógica diferente da que prevalece na escolha do presidente.

    O partido e o apoio a Dilma ou Aécio importam pouquíssimo. A ideologia decide quando se vota na "bancada da bala", mas o que domina é a lógica local, o voto no candidato da região.

    Sem querer, portanto, o eleitor tem grandes chances de fortalecer o "fisiologismo" (pressões por emendas no orçamento, pelo menos) que gostaria de ver banido da política brasileira.

    Ganhando Aécio, ganhando Dilma, o Congresso vai impor as mesmas dificuldades que se conhecem até agora. Talvez exista um ponto positivo nessa distorção. Os partidos fisiológicos acabam assumindo um papel "moderador", o que vale tanto para o caso de tentativas muito extremas de redução dos gastos públicos, quanto para as tendências antimercado que possam existir no Executivo.

    Tiro outras lições dessas visitas a bairros distantes ("periferia" como sinônimo de muita pobreza, barracos, falta de luz e asfalto, não foi o que eu vi). Votando em Dilma ou em Aécio, as pessoas que entrevistei se mostram muito menos radicalizadas do que no meu ambiente social.

    Simpatizo com esse espírito mais moderado. Se for para brincar um pouco, nesta época de declarações de voto explícitas ou inexplícitas, digo o seguinte.

    Voto nos dois. Acho que uma vitória de Aécio pode ter efeitos "amargos", mas necessários, na macroeconomia, e tende a cercear a autocomplacência de um PT acostumado demais às práticas do poder. Acho que uma vitória de Dilma garante mais a expansão de iniciativas sociais, que não se resumem ao Bolsa Família.

    Não voto em nenhum, se for para esperar controle real da corrupção, melhoria sensível na segurança ou na saúde pública. Todos sabem que, por mais que se tenha feito, falta muita coisa a fazer, e nenhum governo deixa de ter realizações ou omissões quanto a isso em seu currículo.

    No resto, espero que todos os governos, próximos ou passados, municipais, estaduais ou federais, terminem as obras na Jacu-Pêssego. Caso já tenham terminado, sugiro que dupliquem as faixas então. É que vou ficando um bocado fisiológico também.

    marcelo coelho

    É membro do Conselho Editorial da Folha. É autor de romances e de coletâneas de ensaios. Comenta assuntos variados. Escreve às quartas.

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