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    Marcelo Coelho

    Voto distrital

    DE SÃO PAULO

    18/11/2014 14h22

    Discordando da minha defesa do voto distrital, feita no artigo "Como derrotar Tiririca?", o leitor Pio Soares manda um artigo que vale ser analisado. Não sei direito como discordar; quanto ao problema de como fazer a divisão do eleitorado em distritos, minha dúvida é a seguinte: já não estamos divididos assim? O meu título eleitoral estabelece minha região de votação, etc. Talvez haja uma solução técnica para os problemas que o leitor aponta. Mas vamos ao que ele diz.

    VOTO DISTRITAL

    Em época de discussão sobre uma possível reforma política (até plebiscito já foi proposto), gostaria de tecer alguns comentários sobre o chamado "Voto Distrital", muitas vezes defendido por parte da imprensa.
    Primeiramente, para quem não conhece bem a matéria, vamos fazer uma rápida definição deste modelo.

    A população do país é dividida em distritos, todos mais ou menos com o mesmo número de eleitores. Suponhamos, 200 mil eleitores para cada. Assim, cada distrito elege um deputado federal. E o eleitor só pode votar em um deputado do seu distrito.

    As vantagens alegadas são as seguintes:

    1) A representação da população na câmara federal se tornará mais homogênea. Cada 200 mil eleitores terá um representante. Hoje, por exemplo, na média, cada 600 mil eleitores de São Paulo têm um representante, enquanto cada 58 mil eleitores de Roraima também têm um. Ou seja, há deputados representando 600 mil eleitores e há deputados representando 58 mil. E o voto deles vale o mesmo na câmara. Em outras palavras, o voto do eleitor de Roraima vale mais do que o voto do eleitor de São Paulo.

    2) A segunda vantagem é que as eleições se tornariam mais baratas, pois o candidato só teria que fazer campanha em seu distrito, dispensando as dispendiosas viagens por todo o estado.

    3) Finalmente, alegam que o eleitor se sentirá mais próximo do deputado, pois muitas vezes será seu vizinho, e assim a cobrança por suas atuações no congresso será mais fácil.

    Mas o meu objetivo neste texto é justamente mostrar os problemas para a criação deste modelo.

    Comecemos pelo principal: o critério para a definição dos limites dos distritos.

    A cidade de São Paulo, por exemplo, tem mais de 8 milhões de eleitores. Logo, pelo nosso exemplo (200 mil eleitores em cada distrito), teria que ser dividida em 40 distritos.

    Qual o critério para a divisão? Vamos colocar o bairro "A" e o "B" no mesmo distrito, ou será o "A" e o "C"?. Obviamente o deputado que tem votos em duas regiões da cidade não vai querer que seu reduto seja dividido.

    O mesmo vale para cidades pequenas, que têm menos do que 200 mil eleitores. Vamos agrupar a cidade "A" com a "B", ou a cidade "A" ficará no mesmo distrito de sua outra vizinha, a "C"? Dá para imaginar a confusão que será a criação dos distritos.

    Segundo problema: Ao longo dos anos, a população de um distrito irá crescer mais do que outro, e em pouco tempo, um deputado estará representando 250 mil eleitores, e outro apenas 150 mil. Logo, os distritos terão que ser remanejados. Ou seja, na última eleição o morador de minha rua votava em um distrito, e agora em outro. Mais confusão!

    E os bairros novos que vão surgindo? Serão incorporados a qual distrito?

    E um estado da federação (Roraima, por exemplo) que tem 300 mil eleitores? Ou cada distrito terá 150 mil eleitores (abaixo da média proposta no nosso modelo), ou um distrito terá 200 mil e outro apenas 100 mil (pior ainda!), ou teremos distritos formados por municípios de estados diferentes (que confusão!).

    Dá para imaginar a briga de foice entre os atuais deputados durante a criação dos distritos?

    Outro pequeno problema: Minas Gerais, por exemplo, hoje tem 53 deputados federais e 77 estaduais. Se mantivermos esta proporção, teremos número de distritos diferentes para deputados estaduais e federias. Ou seja, meu distrito para votar em um deputado federal é um, e para deputado estadual é outro. Mais confusão! A solução neste caso é unificar: o número de deputados federais e estaduais será o mesmo em cada estado. No nosso exemplo, cada distrito de 200 mil eleitores irá eleger um deputado federal e um estadual. Obviamente, o número de deputados estaduais em cada estado irá diminuir.

    E nossos atuais representantes irão aceitar isso passivamente?

    Bom, até agora, citei apenas os problemas para implantação e manutenção dos distritos.

    Suponhamos que eles tenham sido superados (o que eu duvido muito), temos agora, na minha opinião, um outro problema, de natureza mais "ideológica".

    Um deputado distrital tende a ser, na verdade, um "vereador" de luxo. Ele estará muito mais interessado em tapar o buraco da rua do vizinho do que discutir grandes temas no Congresso Nacional, como por exemplo, Reforma Tributária, privatização de estatais (a Petrobras, por exemplo), e outros.

    A maioria da população, mesmo entre os mais escolarizados, não tem opinião formada a respeito desses assuntos. É exigir demais de um eleitor, que ele tenha uma opinião formada sobre se o ICMS deve ou não ser cobrado em cascata, se a alíquota deve ser a mesma em todas as unidades da federação, ou se alguns impostos podem ser substituídos por um imposto único, incidente sobre o "Valor Agregado" (seja lá o que for isso).

    Ou seja, "tapar buraco" dá muito mais voto.

    Mas para isto, já temos os vereadores! (Obviamente não estou desmerecendo o trabalho dos vereadores. "Tapar buraco" é apenas um exemplo de um tema cuja esfera é tipicamente municipal).

    Quem irá discutir os grandes temas? Corremos sério risco de "mediocrizar" ainda mais os debates na câmara federal.

    Convenhamos, o voto dito "proporcional", é muito mais simples e mais fácil de implantar. (Eu, particularmente, prefiro o de "lista fechada").

    Cada eleitor vota apenas no partido. Isto, por si só, já valoriza as legendas e acabaria com as "legendas de aluguel". Se um partido tem, por exemplo, 20% dos votos, terá 20% dos deputados. Se tem 10%, terá 10%. E assim por diante. Simples, não?

    Não é necessário criar distritos, não há necessidade de manutenção dos distritos, e a fiscalização dos gastos da campanha torna-se extremamente mais fácil.

    Pio Soares
    Belo Horizonte - MG

    marcelo coelho

    É membro do Conselho Editorial da Folha. É autor de romances e de coletâneas de ensaios. Comenta assuntos variados. Escreve às quartas.

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