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    Marcelo Coelho

    Questões de ordem: Desconfiança tem limite

    27/08/2015 21h19

    É inútil discutir com quem está mergulhado na paranoia. Mas a sessão desta quinta-feira (27) do Supremo Tribunal Federal não ajudou os que, nas ruas, clamam pelo "impeachment de Toffoli".

    Historicamente ligado ao PT, o ministro Dias Toffoli foi relator de um caso de grande importância para os rumos da operação Lava Jato. A tentativa era de invalidar as acusações do doleiro Alberto Youssef no âmbito de seu acordo de delação premiada.

    Como aceitar que Youssef seja levado a sério, quando em outra ocasião (a propósito do escândalo do Banestado, em 2003) mostrou-se inconfiável em suas propostas de colaborar com a Justiça?

    Era o que argumentava a defesa de Erton Fonseca, um executivo da Galvão Engenharia contra quem o doleiro tinha feito acusações.

    Se a tese fosse aceita, a vida de muitos petistas e seus associados estaria bastante facilitada. Em outubro de 2014 –num de seus primeiros depoimentos à Polícia Federal–, Youssef já afirmava que "o Palácio do Planalto" tinha conhecimento de todo o esquema de corrupção na Petrobras. Deu os nomes: Lula, Dilma, Palocci, José Dirceu, Edison Lobão, Gleisi Hoffmann... De lá para cá, suas acusações se multiplicaram e ganharam em detalhes.

    Um mentiroso. Um conhecido delinquente. Acusa, mas não prova nada. É essa a linha, claro, seguida pelos que querem defender o governo federal e desqualificar o delator.

    Pois bem, Toffoli descartou todo esse gênero de argumentação.

    É verdade que, na sessão de quarta-feira (26), aceitou em tese a ideia de que se poderia julgar, no plenário do STF, o pedido de "habeas corpus" que colocava dúvidas sobre a delação de Youssef.

    Só que, na quarta-feira, não se julgou o mérito do pedido. Discutia-se apenas se o STF podia aceitar um recurso que questionava as decisões de um ministro do próprio tribunal. A saber, Teori Zavascki, que aceitara o depoimento de Youssef.

    Alguns membros da corte –como Luiz Fux e Cármen Lúcia– consideraram que não era sequer o caso de examinar aquele pedido. Não haveria como contestar a decisão de Teori Zavascki.

    Outros, como Toffoli (mas também Gilmar Mendes, insuspeito de simpatias pelo governo) aceitaram a tentativa dos advogados. Assim, o tribunal acabou tendo de avaliar o próprio conteúdo da questão: vale aceitar a delação premiada de alguém que já desrespeitou acordos anteriormente?

    Como relator do caso, Dias Toffoli foi minucioso e claro. Delação premiada, começou ele, não é novidade no nosso mundo jurídico: até as Ordenações Filipinas, de 1603, previam mecanismos semelhantes.

    Ninguém afirma, prosseguiu, que a delação serve, sozinha, como prova para condenar alguém. É um "meio para a obtenção de provas", uma ajuda para investigações posteriores, e não uma prova em si.

    E o delator? É aceitável que ele seja um criminoso, ou um notório falastrão? A personalidade do colaborador, sustentou Toffoli, não vem ao caso. Como disse a ministra Rosa Weber, concordando com a ideia, ninguém espera que o delator seja um bom pai de família ("bonus pater familiae"). Se fosse, nem mesmo teria crimes a contar, nem penas cuja severidade quisesse diminuir.

    Youssef já se deu mal –e há punições expressas para quem faz denúncias falsas– quando rompeu seus acordos no passado. O que agora está relatando sobre o petrolão terá de ser investigado; nada mais que isso.

    Foi essa a opinião de todos os outros ministros do Supremo. Os paranoicos podem dizer que Dias Toffoli, sabendo que ficaria minoritário se decidisse de modo diferente, preferiu guardar sua munição pró-governo para outra ocasião. Mas aí, sem dúvida, seria suspeitar demais: nem Alberto Youssef merece desconfianças tão extremas.

    marcelo coelho

    É membro do Conselho Editorial da Folha. É autor de romances e de coletâneas de ensaios. Comenta assuntos variados. Escreve às quartas.

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