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    Marcelo Coelho

    Falta de votos

    15/04/2016 02h00

    Talvez exista algo de melancólico na longa discussão que tomou conta do Supremo Tribunal Federal, no começo da noite desta quinta (14).

    Discutia-se, numa sessão marcada em cima da hora, em que ordem irão votar os deputados no domingo (17), quando decidirem o impeachment de Dilma Rousseff.

    Tratava-se de um pedido do PC do B, argumentando que o sistema de votação adotado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), seria capaz de influenciar o resultado. O melancólico da discussão era o seu pressuposto. A saber, o de que deputados podem não votar segundo o que pensam sobre o impeachment, mas sim conforme o espírito da manada.

    O problema: se no começo da votação for muito grande o peso dos Estados do Sul e do Sudeste, em que a oposição é mais forte, o restante dos deputados terá a impressão de que o impeachment já ganhou. E os que estavam em dúvida terminarão apoiando a maioria que se forma.

    O "julgamento" ficaria assim distorcido, argumentava o PC do B, uma vez que não se poderia garantir a "imparcialidade" dos deputados.

    Sem dúvida, há meios de forçar esse efeito de imitação. Querendo o impeachment, Eduardo Cunha inicialmente determinou que a votação dos deputados seguisse a ordem das regiões do país. Um grande número de deputados do Sul seria comparado aos poucos deputados da região Norte; em seguida, os do Sudeste fariam a balança inclinar-se ainda mais pelo impeachment. O Nordeste, onde Dilma tem mais força, ficaria por último.

    O próprio Eduardo Cunha mudou a interpretação, admitindo que a alternância se fizesse por Estados, e não por região. Ainda assim, o desequilíbrio pode acontecer, reclamava o PC do B.

    Pois uma coisa é a bancada inteira de um Estado do Sul votar, sendo depois seguida pela de seu correspondente ao Norte. Outra coisa é um deputado do Sul votar, chegando então a vez do deputado do Norte. O resultado seria mais imprevisível.

    Outra questão: o que é Norte, o que é Sul? O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, percebeu que a lista de Estados proposta pela Câmara complicava as coisas a partir do Paraná. Defendeu que se tomasse como critério a latitude de cada capital estadual.

    O relator do caso, Marco Aurélio Mello, propunha um sistema ainda menos "estadualizado". Que cada deputado votasse pela ordem alfabética, sem geografia. Ninguém conseguiria prever tão facilmente o rumo do barco.
    Teori Zavascki discordava da própria discussão: o efeito manada nunca será eliminado, disse. Se a votação é nominal, com um deputado depois do outro, uma maioria se forma. E aí, os outros poderão segui-la. Só se a votação fosse simultânea... e portanto secreta!

    Na mesma linha, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia também se opuseram ao pedido do PC do B: era assunto interno da Câmara, e nenhuma inconstitucionalidade era visível no caso.

    Chegava a hora de Gilmar Mendes. Como assegurar a "imparcialidade" da votação num caso desses? Estamos a considerar os parlamentares como entes infantilizados, que votam de acordo com o ritmo geral, bufava -e tinha razão, pelo menos do ponto de vista jurídico. É traduzir desapreço pelos próprios deputados.

    Ele foi mais longe, com característica crueza: se o presidente não tem votos para vencer a questão do impeachment, não tem condições de ser presidente. É a isso que tudo se resume.

    "Para jogador ruim, até as pernas atrapalham", lembrou Gilmar. Queria dizer que sempre haverá concentração de votos (e possível efeito manada), uma vez que a maioria de 2/3, necessária ao impeachment, pressupõe mais deputados do que os capazes de barrá-lo. Estão reclamando, resumiu Gilmar, é da falta de votos...

    No final, apenas quatro ministros (Marco Aurélio, Luiz Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin e Ricardo Lewandowski) ficaram com a tese mais favorável a Dilma Rousseff.
    Marco Aurélio dava um sorriso misterioso, como que sabendo o que aconteceria nos outros recursos que seriam apresentados naquela noite. A maioria estava formada, dizia ele, "quanto ao âmago" da questão.

    marcelo coelho

    É membro do Conselho Editorial da Folha. É autor de romances e de coletâneas de ensaios. Comenta assuntos variados. Escreve às quartas.

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