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    Marcelo Coelho

    Na ponta do lápis

    05/05/2016 02h00

    Não estamos tratando de "tecnicismos", afirmou o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), ao apresentar seu relatório na comissão especial que analisa o impeachment de Dilma Rousseff.

    Que o assunto dos créditos suplementares e das pedaladas fiscais é espinhoso, ninguém duvida. Por horas a fio, Anastasia explicou em detalhes as possíveis ilegalidades cometidas por Dilma Rousseff na gestão das contas públicas em 2015.

    Atentar contra o orçamento, lembrou, foi sempre motivo de impeachment em todas as Constituições brasileiras –com exceção da carta ditatorial de Getúlio Vargas em 1937.

    Com a experiência de muitas crises inflacionárias, prosseguiu o relator, a legislação brasileira passou a dedicar especial atenção ao perigo de descontrole nas contas do governo. A estabilidade da moeda é um bem público, a ser protegido legalmente quando autoridades agem de modo a atacá-la.

    Várias leis diferentes –ademais da Constituição–cuidam de regular os gastos do Executivo. Existe, como se sabe, a Lei do Orçamento Anual, LOA, votada pelo Congresso, prevendo despesas ao longo do ano. Existe também a LDO, Lei de Diretrizes Orçamentárias, que estabelece metas de superavit nas contas do governo. E há a LRF, Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe um governante de gastar além de suas possibilidades.

    É nesse contexto que surgem os famosos "decretos não autorizados" que Dilma emitiu em 2015, e que seriam um dos principais motivos para seu impeachment. Com pressa, mas também com paciência, Anastasia foi expondo como funciona, em linhas gerais, o mecanismo dos gastos de governo.

    Ficamos sabendo, assim, que há três tipos de "despesas adicionais" que podem ser feitas pelo Executivo, mesmo depois de aprovada a lei de orçamento.

    "Créditos extraordinários" podem ser abertos em casos de tragédia ou de imprevisto, sem autorização do Congresso. Esta é necessária nos "créditos especiais", que contemplam pontos não contemplados pelo orçamento. E há os "créditos suplementares", que aumentam gastos em pontos que já tinham sido aprovados pelo Legislativo.

    Nesse caso dos créditos suplementares, é até possível que o Congresso, quando aprovou a Lei Orçamentária, dê ao Executivo uma autorização prévia para abri-los, conferindo alguma flexibilidade na gestão desses gastos. Essa permissão existiu em 2015.

    Claro: nunca se tem certeza absoluta, na hora de elaborar o Orçamento, sobre quanto vai se arrecadar ou gastar ao longo do ano. Essa é a base, aliás, dos argumentos do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa: só no final do ano a presidente poderia saber se estava estourando as metas de controle do deficit; decretou gastos suplementares de boa fé, autorizada pela lei orçamentária.

    Não, argumentou Anastasia. O governo federal já fazia e refazia revisões quanto às suas disponibilidades de recursos. Começou prevendo um superavit de R$ 114 bilhões em 2015. Meses depois, reduziu a meta para R$ 55 bilhões. Em agosto, fez nova lei mudando a meta para R$ 5,8 bilhões. Em outubro, a meta afundou num deficit de R$ 51,8 bilhões.

    Uma queda livre, portanto. Os seis créditos suplementares mencionados no pedido de impeachment foram editados em julho e agosto –quando já se percebia que o governo não tinha folga para gastar. E o Congresso só autorizava esses créditos se não viessem a comprometer as metas do deficit.

    Anastasia examinou os decretos um a um, avaliando se poderiam ser "neutros", isto é, sem efeito de aumentar o deficit público. Conforme a interpretação, a maior parte deles não escapa de ter efeitos negativos. Um deles aumentou o deficit em, hum, R$ 7 milhões. Outro, mais robusto, terá trazido um rombo de R$ 251 milhões, ou R$ 493 milhões numa interpretação mais rigorosa.

    O assunto é técnico mesmo, como se vê. Feitas todas as contas, os tais decretos determinaram um buraco de R$ 977,8 milhões, conforme Anastasia.

    Certamente, num quadro em que o déficit de 2015 chegou a um número 50 vezes maior, não foi essa ilegalidade no comportamento de Dilma a causa da desgraça geral.

    Mas a ilegalidade existiu, afirma Anastasia; o processo seguirá seu curso.

    marcelo coelho

    É membro do Conselho Editorial da Folha. É autor de romances e de coletâneas de ensaios. Comenta assuntos variados. Escreve às quartas.

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