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    Marcelo Coelho

    Caso de urgência

    06/05/2016 02h00

    Eduardo Cunha fez misérias, ninguém duvida, na presidência da Câmara. Há 11 "séries narrativas" (como disse Teori Zavascki, relator no STF) mostrando os abusos que cometeu.

    Como ele pode definir a pauta da Câmara, teve por exemplo a ideia de colocar em deliberação projeto de lei capaz de livrá-lo da acusação de ter dinheiro ilícito no Exterior.

    É o que dizia, pelo menos, o pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no sentido de afastar Eduardo Cunha do cargo.

    Calma lá. O projeto a que Janot se referia é o que dispõe sobre repatriação de recursos, para quem quiser regularizar sua situação na Receita. Foi enviado pela Presidência. Se havia interesse de Cunha no caso, desapareceu com uma emenda do PSDB, que impediu detentores de cargos públicos e seus familiares de se beneficiarem da medida.

    Todo o poder de Cunha, pelo menos aqui, valeu-lhe pouco. Mas há outros exemplos. Segundo Janot, ele contratou uma empresa de investigação financeira, a Kroll, para contestar depoimentos em delação premiada que pudessem prejudicá-lo.

    Fez, como se sabe, todo tipo de manobras para evitar que o Conselho de Ética viesse a cassar o seu mandato. Teria ameaçado –e acabou destituindo– o relator do caso, o deputado Fausto Pinato (PP-SP).

    Pressionou o empresário Júlio Camargo para receber propina, ameaçando-o (com ajuda da deputada Solange Almeida) de mandar fiscalizar seus contratos com a Petrobras. Demitiu o funcionário do setor de informática que poderia inculpá-lo nesse caso. Recebia dinheiro de empreiteiras para apresentar projetos de lei que as favorecessem; incluía artigos em medidas provisórias para beneficiar bancos como o BTG.

    Acusações não faltam, evidentemente. Por isso mesmo Cunha é réu no Supremo, por corrupção e lavagem de dinheiro. A questão era saber se, enquanto não é julgado, poderia continuar como deputado e presidente da Câmara. O argumento para afastá-lo, segundo Janot, é que ele estaria obstruindo as investigações da Justiça, e utilizando o poder em benefício próprio.

    Nesse caso, seria até cabível, num cidadão qualquer, decretar a sua "prisão cautelar". Mesmo sem culpa demonstrada, pode-se prender alguém que esteja claramente ocultando provas ou intimidando testemunhas.

    Janot não chegou a tanto: considera que, pelo artigo 319 do Código de Processo Penal, alguém "pode ser suspenso de sua função pública, quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais". Meras suposições, reagiu a defesa de Cunha; mencionam-se ações veiculadas pela mídia, muitas vezes de outros deputados.

    Teori estava com o pedido nas mãos desde dezembro. Esperava, sem dúvida, que Cunha terminasse cassado antes de ter de tomar qualquer decisão. Acabou apoiando o pedido de Janot. Afinal, como ter um réu na imediata linha de sucessão de Dilma e Michel Temer? Mas não estaremos diante de uma interferência do Judiciário sobre o Congresso? Como fica a separação de poderes?

    Abusos de poder político no Legislativo podem ser coibidos pelo STF, disse Teori, baseando-se em decisão de Celso de Mello em 2001 (mandado de segurança 24.458). Naquela ocasião o que estava em disputa era a legitimidade de se votar ou não o relatório de uma CPI. Alegava-se que faltavam informações importantes sobre o caso investigado. A disputa envolvia direitos das minorias, entrando portanto no campo do respeito à Constituição.

    É bem diferente a situação de agora, quando se suspende o mandato do presidente da Câmara. Mas não se afasta o próprio presidente da República, em suspeita de crimes? Juízes e governantes são afastados também; Ricardo Lewandowski anexou uma lista deles ao seu voto. Então, por que preservar Cunha?

    Não havia a menor vontade de fazer isso. Luiz Edson Facchin levantou até a hipótese, não requerida por Janot, de prisão preventiva de Cunha. Luiz Fux resumiu a atitude geral: estamos num caso de urgência. Decisão drástica, reconheceu Toffoli. Situação extraordinária, repete Marco Aurélio Mello: o STF está "defendendo a própria Câmara".

    A dúvida que fica é: por que não conseguem julgá-lo de uma vez? Pressionado pelo tempo, o STF aderiu à tese da ação preventiva. Quantos deputados não poderiam passar, a partir de agora, pelo mesmo tratamento? Sai Cunha, entra Waldir Maranhão. Que todos se cuidem.

    marcelo coelho

    É membro do Conselho Editorial da Folha. É autor de romances e de coletâneas de ensaios. Comenta assuntos variados. Escreve às quartas.

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