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    Marcelo Coelho

    Feios ou bonitos, atletas recebem igual tratamento dos jornalistas

    18/08/2016 02h00

    O jornal espanhol "El País" mostrou alguns exemplos de machismo explícito na cobertura da Olimpíada. Um dos casos foi o de seu concorrente "El Mundo", estampando um título que vale reproduzir na língua de Cervantes.

    "La lista de buenorras internacionales en los Juegos Olímpicos de Rio". Substituiu depois o "gostosaças" por "olimpicamente atraentes". O argentino "Olé" destacou "las muñecas suecas", acrescentando cautelosamente que "isso não significa que outros países, como o nosso, não tenham suas belezas".

    Veio, em seguida, o golpe de misericórdia: "Mas as bonecas suecas capturam os olhares humanos".

    Humanos ou masculinos? E por que Usain Bolt não capturaria os "olhares humanos"? Medalha de ouro para esse jornal esportivo.

    Pelo que tenho visto, entretanto, as reportagens e as transmissões de TV têm sido bastante austeras durante a Olimpíada. Fora uma ou outra tomada incontornável no vôlei feminino, nada de particular se apresenta para o consumo do "homme moyen sensuel". Mulheres e homens, feios ou bonitos, recebem igual tratamento dos jornalistas. Nem a publicidade, pelo que acompanho, exagera nisso: seleciona os atletas pela chance de medalha, nada mais.

    Famosa pela beleza, a nadadora húngara Zsuzsanna Jakabos foi ignorada na TV, tendo ficado em quinto ou sexto lugar nas competições de que participou. A atenção dedicada à russa Darya Klishina não se deveu aos traços de seu rosto, mas a seu desempenho no atletismo e ao fato de que autorizaram sua presença nos Jogos, apesar do veto a seu país por questões de doping.

    Mesmo sem estar livre do olhar machista (coisa que o parágrafo anterior já denuncia), devo dizer que a própria disputa esportiva me distrai de pensamentos impuros. O corpo empenhado na vitória não é o corpo que flutua na fantasia do cretino que, por vezes, sou.

    O "quem vai ganhar" supera o "qual é a mais bonita". Se formos politicamente corretos, o espírito competitivo do capitalismo é mais forte que a cultura do patriarcado.

    Ainda que títulos como o das "gostosaças" de "El Mundo" sejam chocantes, gostaria de pensar em uma saída menos repressiva do que a da censura.

    Podemos ser feministas condenando os que babam com qualquer biquíni. Mas me perguntando se uma alternativa não seria a de celebrar, com olhos femininos, os galãs que vez por outra aparecem nas Olimpíadas.

    É o que fazem alguns sites gays, destacando, por exemplo, os nadadores Ning Zetao, da China, e Camille Lacourt, da França.

    Ah, mas é que os gays, como todo homem, ligam mais para a beleza física do que as mulheres. Sem dúvida, elas têm mais maturidade com relação a isso.

    Pelo menos, depois de certa idade. Justin Bieber é tão "objeto sexual" para as adolescentes quanto qualquer atriz de novela para os marmanjos. Seja como for, será saudável reprimir qualquer exaltação da beleza física? O fundamentalismo árabe é bom nisso. Com as burcas, ninguém pode falar em "gostosaças".

    marcelo coelho

    É membro do Conselho Editorial da Folha. É autor de romances e de coletâneas de ensaios. Comenta assuntos variados. Escreve às quartas.

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