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    Marcelo Coelho

    Não é pequeno o número dos que xeretam no computador do parceiro

    09/11/2016 02h00 - Atualizado às 14h25
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    Deus me livre de dar lições morais sobre o comportamento alheio –mas é só acabar de escrever essa frase que me lembro de já ter feito isso com frequência nos artigos para a "Ilustrada".

    Eu não estava, outro dia mesmo, reclamando dos que achincalham políticos nos aeroportos? Seja como for, o tema hoje é diferente –e, de novo, trato de uma atitude que considero dificílima de justificar.

    Segundo uma pesquisa de opinião feita pelo Instituto Quantas, com cerca de 800 brasileiros das classes A, B e C, não é pequeno o número dos que já xeretaram os e-mails ou os celulares do parceiro.

    Seriam 36% dos entrevistados. Revistar gavetas, bolsas ou mochilas? Um pouco menos: 23%. De dar pena mesmo são os que já seguiram o parceiro para ver se estava se encontrando com alguém. Felizmente, reduzem-se a 8% dos entrevistados.

    Luli Penna/Editoria de Arte/Folhapress
    Ilustração Marcelo Coelho de 9.nov.2016

    Os números variam um bocado de levantamento para levantamento, pelo que pude verificar. Na Inglaterra, segundo o jornal "The Daily Telegraph", nada menos do que 62% dos homens investigaram os celulares do seu par amoroso, enquanto só 34% das mulheres disseram ter feito o mesmo.

    Já nos Estados Unidos, numa pesquisa feita com mais de 13 mil usuários, as mulheres são um pouco mais controladoras (25%) do que os homens (20%) no que se refere a conversas e infidelidades na internet.

    Francamente. Posso estar enganado a meu próprio respeito, mas acho que não chegaria a esse ponto. Talvez eu não seja propenso a doenças de paixão, nem mesmo a um nível normal de ciúme.

    Mas considero, acima de tudo, uma questão de orgulho pessoal. Se você se rebaixa a espionar o cônjuge, o que está fazendo com ele?

    E que tipo de paz você vai obter, quando não achar nada de comprometedor no celular ou no computador que você investigou? Por outro lado, se você encontra alguma prova de infidelidade, como dizer que está decepcionado, se estava justamente procurando por isso?

    Resumindo –mas sou meio simplista e pouco imaginativo nessas coisas–, se alguém se entrega a tanta desconfiança, é que seu relacionamento amoroso já terminou, seja o que for que descubra ou não na tela do celular.

    Vou além. Prefiro ser enganado (por alguém que pelo menos se preocupa em esconder de mim suas infidelidades) a passar o tempo todo checando os dados de quem nunca pensou em me enganar.

    Pois, nesse caso, serei eu a esconder do outro o que estou fazendo; serei eu quem se terá entregue a uma atividade inconfessável.

    E, mesmo se "culpada" de me trair, a vítima da minha xeretagem poderá fazer-se de inocente e voltar suas acusações contra mim. Não, nunca. Melhor não mexer nesse vespeiro.

    Só que, às vezes, o desespero pode justificar acessos de policialismo conjugal. É o que acontece, sem entrar em muitos detalhes, no filme "A Canção da Volta", agora em cartaz.

    Foi a produção do filme que me enviou, aliás, os dados da pesquisa entre brasileiros sobre controle e espionagem conjugal. Curioso, porque o drama de Gustavo Rosa de Moura não chega a fazer do ciúme ou da desconfiança o maior foco de seu desenvolvimento.

    Talvez faça falta, precisamente, um pouco mais de "desenvolvimento" nessa história, em que a personagem de Marina Person, numa boa estreia como atriz, sobrevive a uma tentativa de suicídio para deixar toda a família em estado de constante sobreaviso.

    Não houve disposição, talvez, para levar o filme até os extremos de dramaticidade que a situação prometia. Assim como a câmera de Gustavo Rosa de Moura –muito sutil em nunca revelar em cheio o rosto de Marina Person–, é como se estivéssemos fugindo do que se construiu diante de nossos olhos.

    Mas não é isso, exatamente, o que eu estava recomendando? Por que procurar, investigar, desvelar, aprofundar tudo até chegar ao último e mais amargo segredo?

    Agora, se você for curioso, e estiver disposto a penetrar nos mistérios da adivinhação e da "telepatia", há um espetáculo bem mais divertido para assistir. "Mistérios da Mente", no teatro Augusta, é um show de mentalismo e truques psicológicos em que os simpáticos Beto Parro e Rafa Moritz descobrem, como por milagre, os pensamentos da plateia.

    Cuidado com seus segredos, portanto. E proteja sempre a senha do seu celular.

    marcelo coelho

    É membro do Conselho Editorial da Folha. É autor de romances e de coletâneas de ensaios. Comenta assuntos variados. Escreve às quartas.

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