• Colunistas

    Wednesday, 01-May-2024 13:48:43 -03
    Marcelo Gleiser

    Buracos negros em crise?

    02/02/2014 01h45

    Buracos negros são objetos extremamente estranhos. Imagine uma região do espaço de onde nada pode escapar, nem a luz. Essa é a ideia por trás dos buracos negros, uma consequência da teoria da relatividade geral de Einstein, que diz que a força da gravidade pode ser interpretada como sendo devida à curvatura do espaço em torno de uma massa: quanto maior a massa, mais curvo o espaço e mais intenso o puxão gravitacional.

    Einstein nunca foi fã dos buracos negros. E com boa razão. Normalmente, buracos negros são restos de estrelas que gastaram o seu combustível e sucumbem à atração gravitacional de sua própria massa: feito um balão que implode, vão ficando cada vez menores e mais densas, encurvando o espaço cada vez mais à sua volta, até que, no centro de tudo, a gravidade fica infinitamente forte: essa é a singularidade, o ponto onde a teoria de Einstein deixa de funcionar. Einstein e outros achavam que algo deveria ocorrer antes de se chegar na singularidade.

    Buracos negros são cercados pelo "horizonte de eventos", que delimita seu poder atrativo: algo que passa de lá não escapa mais. Por outro lado, se alguém cai num buraco negro, não percebe nada ao passar pelo horizonte de eventos, fora a força cada vez maior em direção ao centro. Isso é consequência do chamado princípio de equivalência, de Einstein. Existe, portanto, uma assimetria no buraco negro: caindo, não percebemos o horizonte de eventos, mas, se tentarmos sair de dentro dele, não conseguimos.

    Ao menos, essa é a teoria aceita hoje. As coisas complicam quando incluímos a física quântica na descrição dos buracos negros. Stephen Hawking mostrou que a física quântica implica que buracos negros evaporam aos poucos, expelindo parte da matéria de seu interior. Imediatamente, surgem duas questões: se a matéria que cai dentro é organizada (por exemplo, um livro, um sapo), mas escapa apenas como radiação, o que acontece com toda a informação? É perdida? Se for, isso viola a física quântica. E se o buraco negro evaporar totalmente? Ficamos com a singularidade exposta, um ponto absurdo, sem sentido?

    A crise põe os dois pilares da física moderna –a física quântica e a relatividade– em pé de guerra. Em 2012, John Polchinski, da Universidade da Califórnia, sugeriu uma solução que piorou as coisas: talvez o horizonte de eventos seja uma espécie de muralha de fogo, devido a todas as partículas que evaporam do buraco negro e perdem contato com suas irmãs no interior. Se a muralha existir, violaria o princípio de equivalência, pois quem passasse por ela saberia onde está o horizonte de eventos. Nesse caso, Einstein estaria errado. A alternativa seria aceitar que informação é perdida quando cai no buraco negro, violando as leis da física quântica.

    Para complicar, na semana passada Hawking sugeriu uma solução ainda mais dramática: talvez o horizonte de eventos não exista e seja só um "horizonte aparente". Hawking quer salvar a relatividade e a física quântica abolindo os buracos negros! Por ora, sabemos apenas que a controvérsia seguirá por um bom tempo. Afinal, em jogo estão as duas teorias mais preciosas da física. Será que uma terá que ceder?

    marcelo gleiser

    Horizontes

    marcelo gleiser

    Professor de física, astronomia e história natural no Dartmouth College (EUA). Ganhou dois prêmios Jabuti; autor de 'A Simples Beleza do Inesperado'. Escreve aos domingos, semanalmente

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024