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    Marcelo Gleiser

    Quando abandonar uma boa ideia

    27/04/2014 02h00

    No artigo de capa da revista Scientific American de maio, Joseph Lykken, do laboratório de física de altas energias Fermilab e Maria Spiropulu, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, escrevem sobre uma questão que tem tirado o sono de um grande número de físicos. Será que a supersimetria, uma simetria hipotética da natureza, proposta há quatro décadas e relacionada com as interações entre as partículas de matéria, será encontrada? Ou será que é hora de arquivá-la como mais uma dessas ideias interessantes que, infelizmente, não deram certo?

    Muita coisa está em jogo: o trabalho de carreiras inteiras de físicos famosos; a compreensão de como a matéria se comporta a altas energias; uma solução para o problema da matéria escura, as partículas misteriosas que envolvem nossa galáxia e outras; a fé de que a natureza tem um estrutura fundamental simples, codificada nessa "super"-simetria; a posição filosófica conhecida como realismo, segundo a qual a natureza é compreensível, ao menos em princípio, pela razão.

    O artigo de Lykken e Spiropulu é excelente, justificando porque tantos querem a supersimetria. Se existir, responde a uma série de questões que nossa descrição atual das partículas, o Modelo Padrão, deixa em aberto. Por que existem 12 partículas de matéria (o elétron é a mais familiar delas), arranjadas em três famílias de quatro cada? Por que não 25 ou 67 partículas? Em física, queremos entender o que medimos, e não apenas aceitar os resultados.

    Também não entendemos as enormes diferenças nas massas dessas partículas; por exemplo, o elétron é 252 mil vezes mais leve do que o famoso bóson de Higgs, descoberto em 2012. Coincidência? Ou há explicação para a discrepância?

    Outra classe de problemas vem das interações entre as partículas. Partículas interagem trocando partículas, como dois patinadores no gelo que atiram bolas de tênis um no outro. A física quântica diz que todo tipo de partícula pode participar dessa troca, transformando a interação em guerra, com partículas muito pesadas aparecendo. Mas estas não são vistas. Ou elas não existem, ou há um mecanismo que restringe sua ação nas interações.

    Aqui entra a supersimetria, oferecendo esse mecanismo, como um domador de efeitos quânticos. O problema é que a supersimetria faz uma previsão dramática, que cada partícula deve ter uma versão supersimétrica, dobrando o número de partículas na natureza.

    Na versão mais simples da teoria, a supersimetria "natural", devem existir algumas delas, ou ao menos uma, a mais leve, com massa similar à do do Higgs. O problema é que após anos de busca, nada foi encontrado ainda. Se a supersimetria existe, sabe se esconder muito bem.

    O acelerador na Suíça que encontrou o Higgs será religado em 2015, com quase o dobro de energia; se nenhum sinal de supersimetria for encontrado, será hora da decisão: por quanto tempo podemos mudar uma teoria, aumentando as massas das partículas para que escapem detecção, até aceitar que a teoria não funciona? Teorias precisam ser testáveis; se não são, o que representam, exatamente? Pode ser que a supersimetria exista em altíssimas energias e nunca saberemos dela. Nesse caso, continuaremos tão cegos como éramos 40 anos atrás.

    marcelo gleiser

    Horizontes

    marcelo gleiser

    Professor de física, astronomia e história natural no Dartmouth College (EUA). Ganhou dois prêmios Jabuti; autor de 'A Simples Beleza do Inesperado'. Escreve aos domingos, semanalmente

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