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    Marcelo Gleiser

    A Ilha do Conhecimento

    27/07/2014 02h00

    Hoje, roubo o título de meu novo livro, que será lançado nesta semana no Brasil. Nele, examino nossa busca por sentido. Como a humanidade, através da história, vem tentando compreender a natureza da realidade e seu lugar nela? Como sabemos o que é real?

    Apesar de focar na realidade física, na natureza e na nossa relação com ela, argumento que as questões fundamentais da existência –questões sobre origens (De onde viemos? Qual a origem do universo? Da matéria? Da vida?), sobre o fim (O que ocorre quando morremos? Qual o futuro do planeta? Do cosmo?), sobre a essência de quem somos (O que é a mente? Existe verdade?)–, são questões universais, que transcendem barreiras culturais, e que são e devem ser respondidas de diversas formas. Achar que apenas uma área do conhecimento é suficiente para tratar de questões complexas, empobrece mais do que enriquece.

    Essa complementaridade do conhecimento se faz transparente quando abordamos questões que chamo de incognoscíveis, que estão além do conhecimento. Considere, portanto, que o conhecimento forme uma ilha. Esse conhecimento é de todos tipos: científico, filosófico, artístico, literário, religioso. Mas foco principalmente no conhecimento científico e filosófico. Como toda boa ilha, a Ilha do Conhecimento também é cercada por um oceano. No caso, pelo Oceano do Desconhecido.

    À medida que aprendemos mais sobre o mundo, a Ilha cresce. Às vezes, também pode sofrer retração, ao percebermos que algo que tínhamos como certo está incorreto: muitas ideias e teorias caem após terem sido "aceitas". Por exemplo, a ideia de que a Terra é o centro do Cosmo fez parte da Ilha até o início do século 17. (Copérnico publicou seu livro em 1543, mas a centralidade da Terra custou a ser abandonada.)

    O Oceano do Desconhecido é um lugar fascinante. Lá, encontra-se tudo o que não sabemos sobre o mundo, sobre o Universo, sobre nós mesmos. As partículas de matéria escura, que compõem 25% do que existe no cosmo; a energia escura, que compõe outros 70%; as respostas para as milhares de perguntas feitas todos os dias sobre a vida, sobre as doenças, sobre o funcionamento do cérebro e do consciente. As perguntas que ainda não fizemos. Lá, reside o Mistério, que Einstein dizia ser a emoção fundamental que inspira a arte e a ciência. Queremos aprender mais, sempre, e estender o território da Ilha.

    É de se esperar que, com o crescimento da Ilha, o Oceano do Desconhecido encolha cada vez mais, enquanto avançamos em direção a uma meta final, uma "verdade final", absoluta. Mas não é isso o que ocorre. À medida que a Ilha do Conhecimento cresce, crescem, também, as margens de nossa ignorância.

    O conhecimento pode levar a respostas; mas leva, também, a novas perguntas, a uma habilidade crescente de explorar o novo, cuja existência não poderíamos ter antecipado. Basta comparar o conhecimento do Cosmo antes e após a invenção do telescópio, ou o conhecimento da vida antes e após a invenção do microscópio.

    Aqui e ali no Oceano do Desconhecido nos deparamos com o incognoscível, com questões sem resposta. O que aprendemos sobre o mundo depende de como olhamos para ele. E nosso olhar tem um alcance limitado. Aceitar os limites do conhecimento é um ato de liberação. Nos juntamos a Einstein, inspirados pelo Mistério, lançando um pouco de luz sobre a vastidão daquilo que não sabemos.

    marcelo gleiser

    Horizontes

    marcelo gleiser

    Professor de física, astronomia e história natural no Dartmouth College (EUA). Ganhou dois prêmios Jabuti; autor de 'A Simples Beleza do Inesperado'. Escreve aos domingos, semanalmente

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