• Colunistas

    Tuesday, 07-May-2024 03:39:43 -03
    Marcelo Gleiser

    Apostar ou não na supersimetria?

    31/08/2014 01h40

    Semana passada, lia o último exemplar da revista "Scientific American" quando me deparei com uma carta do renomado físico Gordon Kane, da Universidade de Michigan nos Estados Unidos. Kane escrevia sobre o artigo de Joseph Lykken, do Laboratório Fermi de Altas Energias, nos EUA, e Maria Spiropulu, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, publicado no exemplar de maio da mesma revista. Escrevi sobre isso em 27 de abril deste ano.

    Lykken e Spiropolu argumentam que a supersimetria, uma teoria que visa estender nosso conhecimento atual da física de partículas propondo a existência duma nova simetria da natureza, está em crise; segundo eles, novas partículas elementares cuja existência é prevista pela teoria deveriam já ter sido detectadas no Grande Colisor de Hádrons (LHC), a gigantesca máquina que descobriu o famoso bóson de Higgs em julho de 2012. Seria hora de abandonar essa ideia?

    A supersimetria propõe unificar os dois tipos de partículas com que descrevemos o mundo material: as que compõem a matéria -como os elétrons, e os prótons e nêutrons (na verdade, os quarks)- e as partículas que transmitem as forças entre as partículas de matéria -como os fótons (responsáveis pelas forças eletromagnéticas) e os chamados gluons, que atraem os quarks.

    Desde a sua invenção em 1974, a supersimetria criou um culto de adeptos, dado o seu poder, ao menos em potencial, de resolver dilemas ainda abertos na nossa compreensão das propriedades das partículas elementares. Talvez sua encarnação mais famosa sejam as supercordas, que visam unificar todas as forças da Natureza, incluindo a gravidade. O "super" nas supercordas vem da propriedade dessas teorias serem também supersimétricas.

    Explico em detalhe as propriedades das teorias supersimétricas em meus livros "Criação Imperfeita" e "A Ilha do Conhecimento". Hoje, quero retornar à carta de Kane, em que dizia que algumas versões das supercordas preveem a existência de partículas supersimétricas que serão detectadas no LHC quando a máquina voltar a funcionar em 2015, com energia dobrada. Kane, que dedicou décadas de sua carreira à supersimetria, não quer desistir.

    As teorias supersimétricas preveem que cada partícula normal tem uma parceira supersimétrica. O fóton tem o "fotino" e o gluon o "gluíno", por exemplo. As partículas supersimétricas são altamente instáveis e decaem em frações de segundo; com exceção da mais leve delas, que deve ser estável. Por isso, essas partículas são as mais interessantes e mais fáceis de serem observadas em experimentos.

    Kane está convencido de que essas partículas serão encontradas em 2015, e em sua carta disse que estava pronto para apostar na descoberta mas não encontrava nenhum colega para peitá-lo. Pois bem, escrevi ao Kane e já fechamos a aposta: se partículas supersimétricas forem encontradas no LHC (supondo que a máquina atinja uma energia dobrada) devo-lhe uma garrafa de uísque de puro malte Macallan de 15 anos.

    Caso não sejam, ele me deve uma. Para mim, a questão é: será que, se perder a aposta, ele entregará os pontos? Porque daí em diante, acreditar na supersimetria passa a ser mais fé do que ciência.

    marcelo gleiser

    Horizontes

    marcelo gleiser

    Professor de física, astronomia e história natural no Dartmouth College (EUA). Ganhou dois prêmios Jabuti; autor de 'A Simples Beleza do Inesperado'. Escreve aos domingos, semanalmente

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024