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    Marcelo Gleiser

    Do espaço viemos e para lá vamos

    09/11/2014 01h40

    O acidente recente do foguete SpaceShipTwo, da empresa Virgin Galactic, reacendeu discussões sobre a viabilidade da exploração comercial do espaço. Morreu o copiloto, e o piloto ficou gravemente ferido. Será que, dados os inevitáveis acidentes e mortes, devemos continuar esse tipo de exploração?

    A razão do acidente parece ter sido no chamado mecanismo de plumagem ("feathering" em inglês), uma espécie de sistema de freios quando o foguete inicia sua decida de sua altitude máxima de 110 km. (A margem do espaço é definida como sendo a 100 km de altitude.)

    O que a Virgin faz não é tão distinto do que ocorreu no início da aviação comercial. Após a invenção das máquinas voadoras mais pesadas do que o ar, o próximo passo foi adaptá-las ao uso em guerras e no transporte de bens e pessoas.

    Inevitavelmente, várias vozes se opuseram à iniciativa, incluindo um professor de Harvard que, em 1908, disse ser impossível sobrevoar Londres em um dia, enquanto outros "calcularam" a inviabilidade de transportar mais de duas pessoas num avião. Imagine o que não pensariam ao ver um gigantesco Boeing 747 de 400 toneladas, carregando 500 passageiros e capaz de atravessar metade do planeta em 12 horas.

    Embora a perda de vida humana cause dor a todos, as pessoas que escolhem trabalhar na fronteira da exploração espacial estão mais do que cientes dos riscos. Fazem isso por todos nós, para alçar a humanidade a novos patamares. Deviam ser celebradas pela sua coragem e por dedicarem suas vidas aos seus (e aos nossos) sonhos de conquista. Precisamos deles para avançar.

    "A Terra é o berço da humanidade", disse o pioneiro da exploração espacial Konstantin Tsiokolvsky. "Mas ninguém deve ficar no seu berço para sempre". Tal como fizemos com o nosso berço terrestre, estendendo nossa presença pelos quatro cantos da Terra, faremos com o espaço. Para que isso ocorra, temos de aumentar a segurança e diminuir o custo das viagens espaciais. Sem o esforço pioneiro de companhias como a Virgin Galactic e a Blue Origin, do bilionário Jeff Bezos, dono da Amazon, continuaremos no nosso berço. Um berço belo e raro, sem dúvida, mas ainda assim um berço.

    Vejo a exploração humana do espaço, a extensão de nossa presença além do nosso planeta-mãe, como nosso destino evolucionário. Não há dúvida de que levará muito tempo, custará muito dinheiro e, tragicamente, muitas vidas. Mas o que, para a maioria das pessoas, são obstáculos intransponíveis, jamais deteve exploradores do passado. Podemos esperar o mesmo daqueles do futuro. Para eles, obstáculos não são barreiras, mas oportunidades de ultrapassar nossos limites, de se reinventar como espécie.

    Essa é a característica da humanidade que nos distingue de outros animais, mesmo os mais migratórios, que sempre o fazem em ciclos. Nós, humanos, criamos meios de sobreviver em ambientes diversos, do deserto árido aos polos frígidos. Se não fosse por esse espírito explorador, estaríamos ainda nas cavernas, com medo dos predadores lá fora, prontos para nos devorar.

    marcelo gleiser

    Horizontes

    marcelo gleiser

    Professor de física, astronomia e história natural no Dartmouth College (EUA). Ganhou dois prêmios Jabuti; autor de 'A Simples Beleza do Inesperado'. Escreve aos domingos, semanalmente

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