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    Marcelo Gleiser

    A coluna retorna às estrelas

    23/11/2014 02h00

    Hoje, escrevo a última coluna neste espaço, que se chamava originalmente "Micro/Macro".

    Foram 883 ensaios no decorrer de 17 anos, a cada domingo, com raríssimas exceções em alguns feriados de fim de ano. Foram três livros publicados, reunindo algumas das colunas. Construímos, você leitor e eu, um legado que, espero, permanecerá vivo por muito tempo, inspirando e conspirando para manter acesa a chama da inquietude, aquela que nos faz querer saber sempre mais.

    Vejo essa etapa, aproximadamente um terço da minha vida, como um processo de descoberta. Ao escrever, comunicamos, mas também aprendemos. Escolher, a cada semana, um tema, algo de interesse para mim e para vocês, é sempre um desafio; um desafio daqueles bons, dos que queremos sempre.

    Devemos agradecer à Folha por ter nos fornecido esse espaço tão nobre e raro na mídia brasileira, que infelizmente se importa muito menos do que deve com a ciência e suas repercussões. Foi um privilégio estar aqui todos os domingos, dividindo um pouco do que sei e do que ocorre no mundo científico.

    Talvez uma das descobertas mais relevantes da astronomia seja a do universo estar em expansão. Ou seja, o cosmo por inteiro também ter uma história, uma narrativa de criação e transformação.

    Isso nos aproxima dos céus, mostrando que somos também parte dessa narrativa, com nossas origens e nossa história. Saber que a química que nos compõe originou-se nas estrelas, que somos –na mais pura essência– máquinas macromoleculares capazes de refletir sobre quem somos é pura mágica.

    Vivemos em tempos em que a ciência parece se aproximar da mágica até em termos mais práticos. Imaginar que uma sonda robótica, construída por humanos, passou dez anos viajando pelo espaço até encontrar-se com um cometa a centenas de milhões de quilômetros de distância, conseguindo ainda enviar um emissário de cem quilos para pousar nesse cometa, é um feito extraordinário, que merece ser celebrado. E muito.

    O entusiasmo que a sonda Philae desperta é simbólico do que a ciência é capaz, do que humanos são capazes quando trabalham juntos, dividindo recursos e criatividade.

    Pousar num cometa ou asteroide já não é mais coisa de filme de ficção científica, como "Armageddon" e "Impacto Profundo", mas parte da nossa realidade. Se um impacto acabou com os dinossauros e cerca de 50% da vida na Terra 65 milhões de anos atrás, hoje temos como nos defender.

    Não que a chance duma colisão dessas seja alta; é muito baixa. O ponto é que a ciência também cria e defende de forma global, redefinindo, assim, nossa evolução cósmica.

    Estamos reescrevendo a história da nossa evolução, inventando nosso futuro coletivo. Quem não souber ciência, ou tiver um mínimo de conhecimento, ficará para trás.

    Voltando à coluna, como tudo no universo ela também retorna às estrelas. De lá veio –a matéria cinzenta que flutua na minha cabeça e na de vocês sendo resto de estrelas já defuntas– e para lá deve voltar.

    No meio tempo, temos motivo para celebrar. Não termina aqui minha colaboração com a Folha. Continuarei a escrever como contribuinte mensal da "Ilustrada" e da "Ilustríssima". Melhor assim, mais na cadência das coisas: temos que nos reinventar de tempos e tempos. Nos reencontramos em breve, em outra parte do jornal.

    marcelo gleiser

    Horizontes

    marcelo gleiser

    Professor de física, astronomia e história natural no Dartmouth College (EUA). Ganhou dois prêmios Jabuti; autor de 'A Simples Beleza do Inesperado'. Escreve aos domingos, semanalmente

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