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    Marcelo Gleiser

    Ao Infinito e Além: 40 Anos da Missão Voyager

    27/08/2017 02h05

    Nasa - 26.fev.1998/Associated Press
    Ilustração da Voyager 1 aproximando-se de Saturno
    Ilustração da Voyager 1 aproximando-se de Saturno

    Inacreditável, mas faz 40 anos neste mês que as sondas americanas Voyager 1 e 2 decolaram em direção ao desconhecido. A sonda Voyager 2 partiu dia 20 de agosto de 1977, e a Voyager 1 dia 5 de setembro de 1977. Sua missão era mapear os confins do Sistema Solar, incluindo passagens perto de todos os planetas gigantes, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, e algumas de suas luas.

    O que descobriram, e seu significado icônico, mudou definitivamente nossa concepção do Sistema Solar e de nosso lugar nele.

    Movidas por meio de pequenos reatores nucleares com potência de 420 watts (portanto, não muito mais do que uma lâmpada comum), as espaçonaves de 825kg têm menos capacidade computacional do que um celular moderno. No entanto, foram capazes de enviar imagens espetaculares dos planetas gigantes, que revelaram uma estrutura muito mais rica do que havíamos suspeitado. Voyager 1, em particular, analisou a composição da atmosfera de Titã, a lua de Saturno que continua sendo um dos melhores candidatos para a existência de vida fora da Terra.

    A sonda Voyager 1 é o objeto mais distante jamais enviado pelo homem, o único já confirmado fora do sistema solar, penetrando, pela primeira vez, o espaço interestelar. No caminho, a sonda revelou os detalhes da mancha gigante de Júpiter, um furacão maior do que a Terra ativo por pelo menos 400 anos, vulcanismo na lua de Júpiter Io (com erupções que ejetam material a 160 km de altura), a superfície sem crateras da lua Europa, também candidata à abrigar vida extraterrestre (por ter um oceano sob uma espessa camada de gelo) e detalhes dos anéis e algumas das luas de Saturno.

    Ao passar por Saturno, e a pedido do grande astrônomo americano Carl Sagan, a sonda girou sua câmera em direção à Terra e tirou uma foto do nosso planeta. Vista de 6 bilhões de distância, a Terra não passa de um pálido ponto azul, um objeto frágil e minúsculo perante a vastidão cósmica. Sagan escreveu um livro sobre isso e gravou um vídeo que ficou famoso, onde mostra como a Terra é o ponto de união de nossa espécie, palco de toda a história da civilização, de todas as vidas, de todos os amores e paixões, de todas as guerras e descobertas incríveis que marcam a trajetória da humanidade.

    Enquanto a Voyager 1 se afastava cada vez mais do Sistema Solar, após passar por Júpiter e Saturno, a Voyager 2 foi redirecionada para estudar Urano e Netuno, os dois planetas mais distantes e algumas de suas luas principais. Terminando estudos dos anéis de Urano, a sonda descobriu que uma de suas luas, Miranda, tem cânions e estrutura geológica complexa, algo que telescópios terrestres não poderiam revelar.

    A maioria das luas registradas por ambas as sondas portam marcas do passado violento da nossa vizinhança cósmica, gravadas em crateras de vários tipos e tamanhos. Completada sua exploração, a sonda foi redirecionada para sair do Sistema Solar, tal qual sua companheira Voyager 1. Ambas continuam a enviar dados para a Terra, se bem que a Voyager 2 está por terminar sua missão.

    Talvez o símbolo mais relevante das sondas seja o Disco Dourado que ambas carregam, contendo registros de criações humanas que incluem a música de Mozart e canções de Chuck Berry, vozes de adultos e crianças saudando possíveis interceptadores em várias línguas, fotos do nosso planeta e de suas formas de vida, cantos de pássaros e baleias, detalhes de nossa localização no espaço e informação genética.

    Projeto genial de Carl Sagan, o disco é uma espécie de cartão de visitas para que outras inteligências que por ventura existam nos confins da nossa galáxia saibam que não estão sozinhas. Ao menos, essa é a intenção oficial.

    Conhecendo Sagan, e dada a minúscula probabilidade de que seja encontrado e decifrado, o disco serve de símbolo para nós mesmos, habitantes de um mundo raro e precioso, ameaçado pelo descompromisso com que o tratamos. Da riqueza de tantas descobertas espaciais se sobressai a importância do nosso planeta, um oásis raro de vida em meio a um cosmo repleto de mundos, belos porém inóspitos, em contraste com a nossa casa celeste, vibrando com suas inúmeras criaturas.

    marcelo gleiser

    Horizontes

    marcelo gleiser

    Professor de física, astronomia e história natural no Dartmouth College (EUA). Ganhou dois prêmios Jabuti; autor de 'A Simples Beleza do Inesperado'. Escreve aos domingos, semanalmente

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