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    Marcelo Gleiser

    Uma nova era na astronomia

    22/10/2017 02h17

    Reprodução/LIGO
    Estrelas de nêutrons espiralam uma na direção da outra, emitindo ondas gravitacionais
    Estrelas de nêutrons espiralam uma na direção da outra, emitindo ondas gravitacionais

    Cento e trinta milhões de anos atrás, quando os dinossauros reinavam sobre a Terra, duas estrelas mortas colidiram violentamente numa galáxia distante, após girarem uma em torno da outra por milhões de anos.

    As estrelas mortas eram estrelas de nêutrons, objetos exóticos do tamanho do monte Everest e com uma massa semelhante a do nosso Sol. Sendo tão pequenas e densas, estrelas de nêutrons exercem enorme força gravitacional. Podemos mostrar que o puxão da gravidade sobre a superfície de uma delas é equivalente a ter toda a população de Paris amarrada aos pés.

    A colisão foi tão intensa que o próprio espaço vibrou, enviando simultaneamente ondas gravitacionais e vários tipos de radiação eletromagnética em todas as direções. (Você pode assistir a uma animação aqui). Nas últimas semanas, discutimos essas vibrações do espaço conhecidas como ondas gravitacionais. Tivemos detecções recentes das ondas causadas pela colisão de um par de buracos negros enormes, o prêmio Nobel da física deste ano, e, agora, mais essa descoberta incrível, juntando pela primeira vez a observação conjunta de ondas gravitacionais e radiação eletromagnética de diversos tipos.

    É como se, de repente, astrônomos que, por milênios, vem observando os céus através da luz emitida por vários objetos, adquirissem um novo sentido, combinando visão e audição. (No caso, ondas gravitacionais e os vários tipos de ondas eletromagnéticas.) Os resultados dessa nova aptidão prometem revelações extraordinárias nos próximos anos.

    O sinal gravitacional foi, já, revolucionário, quando o par de antenas em forma de L do experimento americano Ligo se uniu à uma terceira antena na Itália, do experimento Virgo, formando uma espécie de triângulo observacional. Esse novo arranjo permite a determinação bem mais precisa do local da colisão, ajudando astrônomos a voltar seus vários tipos de telescópio para a mesma região no céu.

    Em segundos, uma coordenação mundial envolvendo mais de 70 observatórios na Terra e no espaço, além de milhares de pesquisadores, trabalhou em conjunto para observar os detalhes do que ocorreu após a colisão. O impacto emitiu quantidades enormes de energia no espaço na forma de ondas gravitacionais, matéria, e tipos diferentes de radiação eletromagnética, incluindo a luz visível, ondas de rádio, infravermelho, raios x e raios gama. Dois telescópios de raios gama observaram a colisão apenas 1,7 segundo após a detecção das ondas gravitacionais, confirmando que a colisão de estrelas de nêutrons é uma fonte intensa de raios gama extragalácticos. (Isto é, fora da nossa galáxia.)

    Com esse tipo de precisão e variedade, astrofísicos vão aprender mais sobre o tamanho, massa, giro e propriedades internas das estrelas de nêutrons, uma das formas mais exóticas de matéria que conhecemos. Vão, também, entender se o produto final da colisão é outra estrela de nêutrons ou um buraco negro, podendo, então, estimar quantos pares desses objetos existem no Universo. Como bônus, poderemos testar as propriedades da gravidade em eventos extremos, e medir a expansão e a distribuição de matéria no Universo.

    Mas a descoberta imediata mais sensacional, confirmando previsões teóricas, é que esses impactos violentos –que ejetam no espaço em torno de 2% da massa da estrela à altas velocidades– produzem enormes quantidades de elementos químicos mais pesados do que o ferro, como o ouro e a platina, e vários elementos radioativos.

    Em um milhão de anos, a nuvem vinda da colisão se espalhará por toda a galáxia, semeando bilhões de estrelas e planetas com esses elementos químicos. Essa história também ocorreu aqui, na nossa galáxia. Muito possivelmente, o ouro no seu anel ou bracelete, ou no seu celular, veio de colisões como esta, que ocorreram bilhões de anos atrás. Alguns desses elementos estão no seu corpo.

    Estamos presenciando o nascer de uma nova astronomia. Poderemos assistir a eventos como esse quando ocorrem, usando telescópios e métodos observacionais diversos. Quando os primeiros sinais óticos foram detectados, a bola de fogo envolvendo a colisão se estendia a uma distância semelhante à órbita de Netuno e tinha 8 mil graus de temperatura, emitindo mais energia do que 200 milhões de sóis. Esses são os fogos de artifício mais poderosos que conhecemos no Universo. É fantástico que astrônomos possam captar parte do que ocorreu, para que consigamos recriar a história do evento.

    Na história da astronomia, cada vez que cientistas descobrem um novo instrumento ou técnica, vemos uma revolução no nosso conhecimento dos céus. Não é difícil imaginar que estamos em meio a uma dessas revoluções, que abrirá novas janelas para os céus, sem dúvida aprofundando nosso conhecimento do Universo e do nosso lugar nele.

    marcelo gleiser

    Horizontes

    marcelo gleiser

    Professor de física, astronomia e história natural no Dartmouth College (EUA). Ganhou dois prêmios Jabuti; autor de 'A Simples Beleza do Inesperado'. Escreve aos domingos, semanalmente

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