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    Marcelo Gleiser

    Sobre a Questão Alienígena 2: Vida Fora da Terra?

    19/11/2017 02h00

    Alexander Semenov/BBC
    Extremófilos (seres que vivem em condições extremas) são prova da adaptabilidade da vida.
    Extremófilos (seres que vivem em condições extremas) são prova da adaptabilidade da vida.

    Semana passada, dei continuidade à nossa conversa sobre a vida na Terra e fora dela, discutindo a questão dos OVNIs e das visitas de seres extraterrestres. Em particular, falamos do famoso Paradoxo de Fermi, que essencialmente pergunta onde estariam os ETs que vivem na nossa galáxia: visto que nossa galáxia tem 10 bilhões de anos e "apenas" 100.000 anos-luz de diâmetro, civilizações tecnológicas que tenham florescido alguns milhões de anos antes da nossa (o que é pouco comparado a 10 bilhões de anos) teriam já colonizado a galáxia inteira. Fermi propôs sua pergunta como argumento contra a existência de ETs na galáxia. Se estiver certo, somos a única espécie tecnológica na Via Láctea, ao menos nos últimos milhões de anos.

    Obviamente, antes de haver vida inteligente capaz de desenvolver tecnologias de transporte interestelar, é necessário que haja vida. Esta distinção é extremamente importante, visto que a existência de vida em outro mundo não leva necessariamente à existência de vida inteligente: mundos podem ser habitados por criaturas bem simples, por exemplo, por seres unicelulares, como amebas ou paramécios.

    Existe um pouco de confusão aqui. Muita gente acredita que, se um planeta ou lua tem vida, é só esperar um tempo que a vida evoluirá até aparecer alguma espécie inteligente. Isto não é verdade. Vida não tem como objetivo ou missão ficar cada vez mais complexa. O compromisso da vida é antes de mais nada com sua reprodução, que necessita adaptação ao ambiente onde existe. Portanto, se criaturas unicelulares estão bem adaptadas e mutações não auxiliam nessa adaptação, nada de muito interessante acontecerá. Aqui na Terra, o único mundo onde com certeza há vida, criaturas unicelulares dominaram por aproximadamente 3 bilhões dos 3,5 bilhões de anos em que a vida existiu. E são, ainda, as mais numerosas.

    Portanto, quando cientistas falam de vida extraterrestre, por exemplo, na lua de Júpiter Europa, ou no subterrâneo de Marte, ou na lua de Saturno Encelado, estão se referindo a formas de vida simples, provavelmente versões extraterrestres dos nossos seres unicelulares.

    Isso não diminui de forma alguma a importância da questão. Afinal, a existência de qualquer forma de vida extraterrestre seria uma descoberta absolutamente sensacional, abrindo portas para todo um novo ramo da biologia, a exobiologia. Será que criaturas extraterrestres têm uma genética semelhante à nossa, com DNA em seus núcleos celulares sendo a molécula responsável pela sua reprodução? Será que a teoria da evolução por seleção natural de Darwin funciona fora da Terra? Provavelmente sim. Quais processos metabólicos essas criaturas têm? Qual a diversidade das espécies e como se adaptam aos seus ambientes, tão diferentes dos da Terra?

    Nas últimas décadas, foram descobertas criaturas vivendo em condições extremas: nas profundezas escuras e geladas dos oceanos, onde não existe oxigênio e a pressão é altíssima; soterrados sob camadas de gelo de quilômetros de espessura; em lagos com salinidade ou acidez extrema; até mesmo em tanques de água contaminada por elementos radioativos. Estes extremófilos são prova da incrível adaptabilidade da vida, capaz de sobreviver em ambientes que jamais consideraríamos viáveis. Com isso, ficou mais fácil imaginar a possibilidade de vida em outros mundos, onde as condições são adversas.

    Portanto, o consenso entre a maioria dos cientistas trabalhando na área da astrobiologia (o estudo da vida na Terra e fora dela) é que deve haver vida fora da Terra. É bem verdade que uma das questões mais complexas da ciência é a própria origem da vida, a misteriosa transição da matéria não viva à matéria viva. Pessimistas acham que a probabilidade de moléculas químicas se auto-organizarem espontaneamente em unidades semelhantes a células e começarem a se reproduzir é tão pequena que a Terra é uma espécie de milagre. Se estiverem certos, a transição da não vida à vida é tão rara que apenas a Terra, ou muito poucos mundos no Universo inteiro, teriam vida.

    Por outro lado, como as leis da física e da química valem por todo o Universo (e disso temos certeza), e como a vida surgiu aqui relativamente rápido após as condições planetárias se acalmarem, fica difícil imaginar que a Terra seja um dos únicos mundos –dentre trilhões só na nossa galáxia– onde a vida surgiu. Pertenço ao time dos otimistas, e acredito que vida não seja propriedade única do nosso planeta.

    Criação Imperfeita
    Marcelo Gleiser
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    E a vida complexa? Aí a coisa complica. Para que a vida possa evoluir das criaturas mais simples às que possuem órgãos diferenciados até as capazes de escrever um texto num celular, os passos são muitos. Como explico em meu livro "Criação Imperfeita", a marcha da vida na Terra ultrapassou muitos obstáculos, muitos deles devido às propriedades únicas do nosso planeta. Lua grande, campo magnético, atmosfera rica, movimento das placas tectônicas etc. Existe uma interdependência essencial entre a vida num planeta e a história geológica dele. Cada mundo tem uma história e, por isso, formas de vida únicas a ele.

    Com isso, deduzimos que somos os únicos humanos no Universo. Se houver outras espécies bípedes e inteligentes, não serão como nós. Talvez, como nós, se perguntem sobre sua origem e destino. Talvez não. Mesmo que existam vizinhos distantes, no silêncio profundo da noite sabemos que estamos sozinhos. Se aprendemos algo até agora, é que nossa raridade como espécie reflete a raridade do nosso planeta. Somos nós os responsáveis pelo nosso destino, pelo nosso planeta. As perguntas podem ser inspiradas pelos céus, mas as respostas terão de vir da gente.

    marcelo gleiser

    Horizontes

    marcelo gleiser

    Professor de física, astronomia e história natural no Dartmouth College (EUA). Ganhou dois prêmios Jabuti; autor de 'A Simples Beleza do Inesperado'. Escreve aos domingos, semanalmente

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