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    Marcelo Gleiser

    Sem os EUA, o mundo segue na luta contra o aquecimento global

    17/12/2017 02h00

    Getty Images/BBC-Brasil

    Na semana que passou, completaram-se dois anos desde que líderes de quase 200 países se reuniram em Paris para traçar os detalhes duma colaboração para combater o aquecimento global. O consenso é de que a queima de combustíveis fósseis (gasolina, diesel, gás) é a principal responsável pelo aumento da temperatura global na era industrial. A menos que as emissões sejam drasticamente cortadas, nossa atmosfera ficará cada vez mais densa, mantendo o calor perto da superfície, como um cobertor que vai ficando cada vez mais espesso.

    Um dos objetivos do Acordo de Paris é manter o aumento da temperatura global neste século em no máximo 2ºC acima do valor pré-industrial (em torno de 1850) e, de preferência, ainda menos, 1,5ºc. Outro, é rever a cada cinco anos a atuação dos países signatários do acordo, de modo a checar se continuam seguindo suas diretrizes.

    Fora isso, países mais ricos devem contribuir US$ 100 mil dólares por ano a partir de 2020, de modo que nações mais pobres possam se defender dos efeitos das mudanças climáticas.

    Em 12 de setembro de 2016, o Brasil concluiu a ratificação do Acordo de Paris, tornando suas metas em compromissos oficiais. Para tal, segundo documento do Ministério do Meio Ambiente, até 2025 o Brasil deve reduzir a emissão de gases do efeito estufa a 37% abaixo dos níveis de 2005, e, até 2030, a 43% abaixo dos níveis de 2005.

    Para alcançar estes objetivos, "o país se comprometeu a aumentar a participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética para aproximadamente 18% até 2030, restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas, bem como alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz energética em 2030."

    Em agosto deste ano, para o choque de muitos, Donald Trump decidiu sair do acordo, que considera um péssimo negócio para os EUA. Sua visão limitada do futuro parece não ter fim.

    O mundo respondeu rapidamente, enviando uma mensagem clara para os EUA: sua liderança mundial está em queda livre, tanto economicamente quanto moralmente. Emmanuel Macron, presidente da França, viu nisso uma oportunidade única para se posicionar como o novo líder no combate ao aquecimento global.

    Para celebrar o segundo aniversário do acordo de Paris, organizou na mesma cidade o "One Planet Summit" (que pode ser traduzido como Simpósio pela Unidade Planetária), que ocorreu esta semana, também em Paris, em parceria com o Banco Mundial e as Nações Unidas. Líderes políticos de 50 países foram convidados, dentre mais de 4.000 empresários, banqueiros e cientistas. Trump não foi convidado.

    O slogan do movimento é "Vamos Fazer Nosso Planeta Grande Outra Vez", uma provocação direta a Trump, cuja campanha eleitoral tinha como slogan "Vamos Fazer a América Grande Outra Vez". "Para ser sincero, a saída dos EUA me motivou a criar um movimento na direção oposta", Macron disse em entrevista ao canal de TV americano CBS.

    E Macron não está sozinho. Em artigo no jornal inglês "The Guardian", a primeira-ministra britânica Theresa May escreveu:

    "As economias desenvolvidas têm o imperativo moral de ajudar aqueles no mundo que serão os mais prejudicados com as mudanças climáticas. Ao posicionar o Reino Unido na liderança dos esforços para reduzir a emissão de carbono e de desenvolver energia limpa, podemos, também, aproveitar ao máximo as novas oportunidades econômicas. E, ao criarmos um ambiente natural seguro, estamos cumprindo nosso dever perante a próxima geração."

    A missão do Simpósio de Paris é energizar não só os líderes políticos mas também líderes do setor privado, investidores e executivos, para facilitar a transição para um mundo onde os combustíveis fósseis tenham um papel cada vez menor. O Banco Mundial anunciou que, a partir de 2019, não financiará mais projetos que envolvam exploração de gás e petróleo. (Excluindo países muito pobres que possam se beneficiar diretamente disso.)

    Seu presidente, Jim Yong Kim (que, aliás, antes era presidente da universidade em que trabalho), confirmou que o Banco está cumprindo a meta de ter 28% de seus fundos direcionados a financiar projetos de proteção climática até 2020.

    Outro líder ativo é o ex-prefeito de Nova Iorque, Michael Bloomberg, que vê a decisão de Trump como uma provocação que mobilizou cidades e empresas americanas a se unir na luta contra as mudanças climáticas, independentes do governo federal e sua cegueira. O movimento é um verdadeiro motim climático contra as ações do governo federal.

    O ator e ex-governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, resumiu bem a situação: "Não importa que Trump tenha saído do Acordo de Paris. O setor privado não saiu, o setor público não saiu, as universidades não saíram, ninguém saiu!"

    Felizmente, líderes mundiais e bilionários como Elon Musk e Bill Gates têm seus olhos bem abertos, e entendem a seriedade do que está ocorrendo no planeta. Pena que Washington abandonou o barco em meia viagem. Mas, como bem sabemos, líderes políticos vêm e vão, e a vergonha da atual liderança americana será, em breve, uma memória dum capítulo negro na sua história. Espero apenas que os danos ambientais que estão sendo perpetrados agora –e ocorrem todos os dias– não tenham efeitos que venham a comprometer nosso futuro coletivo.

    marcelo gleiser

    Horizontes

    marcelo gleiser

    Professor de física, astronomia e história natural no Dartmouth College (EUA). Ganhou dois prêmios Jabuti; autor de 'A Simples Beleza do Inesperado'. Escreve aos domingos, semanalmente

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