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    Marcelo Leite

    Répteis do Maranhão

    12/01/2014 01h40

    A governadora Roseana Sarney (PMDB) considera inexplicáveis as decapitações na masmorra de Pedrinhas, em São Luís, capital do Maranhão. Problema dela.

    No restante do país, a pergunta que perambulou pelos giros e sulcos dos córtices cerebrais foi: como se pode entender que um ser humano chegue a tal ponto de crueldade? De que servem as ciências naturais, se incapazes de oferecer explicações não triviais para o buraco negro que se instalou em Pedrinhas e ameaça sugar tudo à volta em São Luís?

    O entusiasta da neurociência contemporânea talvez proteste que ela tem, sim, muitas explicações para fenômenos como esses. Afinal, ela tem explicação para tudo.

    Do alicerce ilusório do livre-arbítrio e dos juízos éticos, sempre precedidos por decisões ou reflexos inconscientes, passando pelas razões evolucionistas para preservar no pool genético da espécie alguns genes de propensão para a agressividade e pela sobrevivência de estruturas cerebrais primitivas, até chegar à cumeeira do edifício neodarwinista com "os melhores anjos da nossa natureza" (título do livro de Steven Pinker) e o declínio da violência –nada na mente humana parece escapar à luz que emana da fusão de Darwin com a ressonância nuclear magnética funcional.

    E Pedrinhas? Podem-se elucubrar duas vertentes de explicação.

    Na primeira, que privilegiaria o plano individual, haveria que buscar na anatomia ou no perfil genético-neuroquímico disfuncionais de cada perpetrador as raízes do comportamento celerado. Esse programa lombrosiano de pesquisa deu poucos resultados até hoje, pela imensa dificuldade de provar nexos causais entre uma coisa e outra.

    Na outra vertente sobressairia o plano coletivo, o da etologia. Grupos de pessoas submetidas a condições propícias, ou extremas (como sem dúvida são as dos presídios nacionais), regrediriam a estágios anteriores do comportamento moral. Uma vez confinados à lógica da violência e da sobrevivência, os prisioneiros ficariam sob o jugo do cérebro, digamos, reptiliano.

    Ficou famoso, na história contemporânea da ciência, o Experimento da Prisão de Stanford (em inglês: www.prisonexp.org), capitaneado pelo polêmico Philip G. Zimbardo. Ainda que não tenham alcançado o paroxismo de Pedrinhas, estudantes universitários precisaram de apenas seis dias para se transformar em guardas sádicos, numa simulação da vida em cárcere.
    Zimbardo interrompeu a experiência quando as coisas começaram a sair do controle, antes das duas semanas previstas. No Maranhão, 62 mortes não bastaram.

    Não tenho dúvida de que há um réptil adormecido em todos nós. É a condição necessária para o que se passa em São Luís. Mas é também insuficiente, parece óbvio, para explicar o nível rastejante em que se encontram os costumes por lá.

    Para isso, não há como escapar das ciências sociais e históricas. Pobreza não explica tudo, mas tampouco há de ser coincidência que o Estado do ex-presidente da República e do Congresso José Sarney tenha o segundo pior IDH do país (0,639). O pior de todos (0,631) está nas Alagoas de Renan Calheiros –o atual presidente do Congresso.

    marcelo leite

    É repórter especial da Folha,
    autor dos livros 'Folha Explica Darwin' (Publifolha) e 'Ciência - Use com Cuidado' (Unicamp).
    Escreve aos domingos
    e às segundas.

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